Desembaraço

Finalmente, tive coragem. Publiquei meus textos. Todos aqueles por anos calados no meu HD saltitaram pelo www, para poderem ser criticados e ridicularizados. Haviam sido lidos por amigos da mais alta intimidade que talvez silenciaram um riso de desdêm. Agora estão aí jogados às piranhas, para o apetite coletivo. Não temo mais o embaraço...

sábado, 28 de janeiro de 2012

Passado

É tempo de morango... E de outras carambolas. É tempo de uns tangos e de discos na vitrola. Foi-se o tempo em que não havia tempo para se viver o passado. Foi-se o tempo em que o ontem devia ser reformulado. O particípio vivido nunca foi tão atual. Não mais ameaça o antigo o vigor dessas conquistas... Percebeu-se serem as mesmas apenas embaladas em pano metal choque. Continua sendo tempo de rock e os Doors cantam enlouquecidos. Continuo regando os meus amigos com aquele velho scotch. Fotos pretas e brancas captam mais a realidade dos sentimentos... A arte de todo o nosso movimento ainda é de Chaplin. É tempo de morangos porque coca cola corrói o estômago.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Diga DE VERDADE não ao preconceito


Hoje percebi que a nova geração vem renovada. 

Nasce a geração que conhece a luta e defende a causa dos homossexuais, sem precisar ser homossexual. Nasce a geração menos hipócrita que aquela que aceitava o gay por vê-lo como diferente. Nasce a geração diversa daquela que respeita o amigo, mas, no fundo, espera que um dia ele se cure. Nasce a geração tão diferente daquela que aceitava o próximo (desde que ele não fosse tão próximo), mas que na roda dos amigos (que taxava “normais”) sussurrava ser uma rusga na criação daquele nem tão seu amigo coitado. 

O irmão de 15 anos de uma amiga de infância, a qual se declarou gay, elogiou a postagem do seguinte slogan:


Não, ele não é gay. Se seu pensamento seguinte foi: “então ainda vai ser” pare de ler. Este texto não é para você. Você vai ser, nos livros de história do nosso futuro, aquela exata parcela da população extremamente conservadora e pouco ilustrada, que ainda demora a ceder à teoria de que não é a Terra que gira em torno do Sol. O Lucas simplesmente sabe e luta com sua irmã pela batalha da qual ela e agora ele fazem parte, independentemente do que  ele hoje se entende ser.  

Foi a batalha de sangue escorrido e lágrimas engolidas que os negros enfrentaram e que hoje o mundo na ética abraça. Foi a bandeira erguida pelas mulheres que conseguiram hoje guarida da lei. É a conquista que sempre terá um ranço social indelével, do politicamente incorreto. Essa reminiscência de preconceito - infelizmente, nítida há poucos - que engatilha a luta de classes em prol do que, dali a anos, será o óbvio.A essência que alguns conseguem apreender é a luta que passa a ser  igualmente pertencente a você, ainda que não necessariamente seja sua. Esse avanço se dá no exato momento em que se nota que o comum é ser (verbo) humano. Aí se torna mais que socialmente despropositado e moralmente condenável não se rebelar contra aquilo. Sob pena de se renegar a dignidade humana é que passa a se defender a defesa daquela causa. 

Também parem de ler este texto aqueles que crêem superadas as manifestações de preconceitos contra negros e mulheres. O fato de existir razão (já parou para pensar nisso?) para se rir de piadas de mulher na cozinha (por que simplesmente não haveria graça se o personagem fosse homem?) e a referência mental à Amélia como boa esposa não são amenidades, em sua semântica contextualizada. Passamos nesse debate pela calorosa discussão acerca das mulheres que são ainda chamadas putas por fazerem exatamente o que um homem faz. Ou os atos de ambos são promíscuos ou não serão e nem questiono se isso pode ser intitulado promiscuidade. O fato por trás disso é que tal reflexão deve ter de si desprovidas considerações sobre o sujeito. O agir será ou não promíscuo, em sua singularidade, independente dos genitais de quem os realiza.

O mesmo se dá contra os negros. Sofrem eles preconceito ainda. Possivelmente, proclamar-se-á o Brasil como o país da igualdade, refutando-se o cabimento dessa afirmação. Se você acha que não há mais preconceito, peço pensar em três situações. Eu pude, por coincidência de sexo e profissão, viver essas exatas mais comuns três formas de preconceito social contra os negros, que sei você não conseguirá contestar. Negro é “aceito”, mas (i) não pode “entrar para a família”; (ii) não é tão visto em determinados empregos; (iii) são a maioria dos indivíduos interpelados pela polícia, como suspeitos.

Na minha família vi esse primeiro embate. A despeito de educada por pessoas já mais ilustradas espiritual e culturalmente, o preconceito imbricado no amor ao genealógico do clã italiano ariano deixava suas marcas. O embate entre o correto e o outrora correto era rico, em sociologia. Eu podia ter colegas e amigos negros e era errado destratá-los, porque simplesmente eles não eram diferentes. Cresci assim, ouvi isso dentro de casa e na escola. Mas quando me envolvi sexual e amorosamente com um negro, o papo foi outro. E aí eu não sabia mais nada. E a contradição interna dessa antagônica correspondência de corretos colocada diante de seus olhos causou-lhes embaraço (não foi propositada, mas certamente nada se fez de despropositada a aliteração). E eles não sabiam se justificar, porque a justificação passava pelo exato momento em que se tornava ela imoral. Na minha profissão vi esse segundo embate. Entre um negro e um branco, prefere-se na contratação um candidato à advogado branco. Falem o que quiser. Sei que no fundo vão engolir quietamente (por medo de parecer racista, que se lembram hoje ser crime) a constatação da verdade Outrossim, em pesquisas renomadas, em termos matemáticos e amostrais (procurem e achem a rodo; omito a fonte não por inexistência ou medo de contradição, mas por mera falta de lembrança dos registros) os negros aparecem como os indivíduos mais parados pela polícia. Não tenho dúvidas que o leitor intua isso, primeiramente com enorme normalidade, e, se atento, posteriormente, questionando-se se o seu pensamento pode denotar o permanecer entre nós do preconceito... Ainda que você desconfie do meu conhecimento sobre o último assunto, em razão da omissão da fonte, não pode negar que: se não é experimentalmente assim, o seu pensamento denunciou uma realidade. Não é sinal do preconceito você poder saber ser isso a verdade?

E por que discorrer sobre o preconceito a negros e mulheres aponta uma nova fase? Porque nessas lutas estavam os negros de um lado e os brancos do outro até que as cores se uniram, porque eram todos iguais em seu ser. Os homens dali e as mulheres de lá ergueram a mesma bandeira, porque eram gêneros da mesma espécie humana. E assim caminham as conquistas. E é nesse ponto que os gays chegaram agora, depois de tanta luta, após inúmeras mortes. Achei que minha geração não teria o seu marco... Mas vejo nitidamente (como se ouvisse meu professor de histórias nos apresentar alguns textos mais vanguardistas daquele passado) o momento em que essas fichas estão caindo e que é possível dizer tudo isso sendo inteligível. 


segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Lápide de um Anjo

Eu sinceramente não o conheci muito, antes da morte. Foi a partir desse evento que costuma botar fim na possibilidade de uma história que ele passou a viver para mim. Daí porque essa locução de tempo não é um pleonasmo; na verdade é uma ressalva imprescindível.

Soube do trágico fim por um telefonema de minha amiga. A mesma que nos apresentou no único momento em que nos vimos. Na verdade, nem consigo me lembrar direito se fui eu quem ligou para ela para dar aquela notícia, pois, parecia que... Eu sabia daquilo exatamente, quando o conheci.

Com o ar passado de forma indigesta e lenta pela garganta atendi: O Rafa! Sabe o Rafa? Aquele que nos hospedou  no carnaval... Apesar de eu não precisar de mais nada, obviamente que, para ela, era preciso - ainda que não desejado -  prosseguir com a predicação que daria sentido àquela frase e que não daria sentido algum àquela frase. A morte dele era um evento totalmente inesperado.

O fato de eu e ele termos nos conhecido de forma breve fazia necessário que ela me contasse o fato paradoxalmente somente após esclarecer quem era a vítima do infortúnio. Sequer podia saber ou talvez acreditar que aquilo não era de todo novo para mim. Eram poucos os meus momentos com ele, mas houvera momentos. Muito provavelmente por isso entendeu que o nome dele precisava de um aposto para que eu me lembrasse detalhadamente. Entendeu que referência ao Rafa, portanto, não se bastaria em si.  A informação que batia na porta dela era, em princípio, imprevisível ou não intuitiva. Enfim, seria do nosso mútuo (des)interesse aquele evento, pois. Era preciso, infelizmente, complementar aquele tão adjetivado sujeito agora oculto com um verbo, que naquela situação, era permanentemente intransitivo: Ele morreu, Dri. Ele morreu, cara!

O que pensara da morte? Tinha ele medo de partir? Doeu? Quem era ele? Quem era ele... Entrei na página que mantinha em uma rede social, para tentar conhecê-lo exatamente 24 horas depois de sua morte. Na mesma página onde por algumas vezes nos comunicamos brevemente. Poucas vezes mesmo, em frases sem qualquer intenção ou contexto. Vou morar em São Paulo. Como assim? É, estou feliz. Nossa, mas me explica melhor. Você ainda está aí? ... Oi! E aí? Você não me contou da última vez essa história, me explica! ... Saía, sem explicação, como saía da vida...

Como todas os outros contáveis momentos em que trocamos palavras, só me vinha sorriso e felicidade daquela presença tão forte, mas tímida de toda a sua imponência. Parecia que ele tinha um certo acanhamento da exata medida de seu conhecimento, que se fazia propositadamente escondido por detrás da sua contraditoriamente nada forçada ingenuidade. Os anjos são assim, não são? Como podia?

Não chegamos a trocar mais de 500 palavras, mas me lembro de mais de 500 risos, que ele provocou no meu rosto. Ele poderia ser um anjo. Não por outra razão que seu perfil era abarrotado de amigos, sensíveis o suficiente para perceber isso. Ele era realmente um pessoa querida. Todos faziam questão de lhe deixar recados, fotos, mensagens fáticas. Era preciso mantê-lo por perto, garantir suas palavras, naquele mundo cercado de tantas outras pessoas que igualmente ansiavam por elas. Quem era ele? Chorei diante das mensagens de paz, inconformismo e carinho. Querendo colocar mais lágrimas naquela dor quis ver sua última postagem, que fora não muito antes do fatídico acidente. Ele sabia que ía morrer?

Muitos não acreditavam que, de ontem para hoje aquele cara, que todos pensavam estaria lá amanhã para mais um dia de risada, foi vencido pelas feridas. Outros tantos se perguntavam como não puderam perceber que um cara daquele nascera para morrer exatamente daquele jeito. Ao menos era esta a pergunta que eu me fazia: Por que não fiz algo? Eu, não sei como... Para mim simplesmente fazia um sentido tremendo aquele ser humano partir assim no meio da estrada da vida. Era a nossa metade do caminho, mas, certamente, não a dele. Para aquele ser, ali era o fim da linha. E não por outro motivo, foi essa mesma estrada que escolheu botar fim àquela que seria a última de suas encarnações.

Chorei mais por não ter tido a chance de conhecê-lo. Comecei a angariar evidências de quem ele era, percebendo que aquela chance não estava de todo finda com sua morte. Forcei o nosso encontro pos mortem com um pouco de medo, confesso. Tive receio de construir um personagem, ou pior, de aquilo representar muitas coisas do meu ide, a necessidade de ter esperança nas coisas boas da humanidade. Sem contrapeso, refutação, ou espaço amostral para o erro, poderia fazê-lo um ser perfeito, que ele muito provavelmente não era. De fato, havia uma grande probabilidade de eu elaborar um ser metafísico só para satisfazer minhas necessidades pessoais e tornar a minha vida aqui mais fácil... Eu poderia fazer muitas coisas com aquela última imagem dele, mas, de todo modo, não podia negar que as circunstâncias que o ligaram a mim faziam daquele âmbito - ainda que incompleto - a sua inteireza.

 Era fato que aquele lado de paz foi o que veio a mim, destacado do todo humano cheio de imperfeições que o compunha, como a todos nós. Eu podia ter conhecido mil facetas dele, ou ao menos, algumas ruins. Podia tê-lo visto bravo, triste, mal humorado, coisas que, qualquer ser humano, por mais iluminado que seja, enfrenta nesse mundo de perdições e percalços, em algum momento do seu dia. Não vi nada disso não porque ele não tinha, mas porque era aquilo que a mim tinha de chegar. Eu não podia, igualmente, ignorar esse fato. Venci o meu ceticismo, para entender o real significado daquela vivência. Todos temos problemas e sem dúvida ele tinha suas fraquezas, mas eu não as conheci por algum motivo. De outro modo, para mim, aquele seu elemento era angelical. Talvez para mim, de fato, ele só nasceria em sua partida. Talvez só para mim, ele fosse um anjo.

Não acredito em coincidências. Todo o resto da história, de fato, fez um enorme sentido, quando pensei na morte como ponto de partida. Olhei a história do fim para o começo e ficou claro porque, naquele passado sem noção de futuro, eu tive o feeling e não o conhecimento. Vê-lo não tinha nada que ver com meus planos. Para ser sincera, aquela viagem não se explicava  em nada. Fomos sem motivação ou arranjos prévios. Tudo em cima da hora, depois de outras tantas possibilidades se esvaírem. Eram, na verdade, os acertos divinos se compondo. O famoso escrever certo por linhas tortas, que todos dizem ao ler a mensagem, não sem antes muito reclamar da datilografia.

Nunca me imaginei nesse lugar. Nem conhecia o nome daquela pequeníssima, mas charmosa cidade mineira. Fui com pessoas que, igualmente, nada tinham a ver comigo. A única pessoa que podia salvar aquele conto de carnaval era minha fiel escudeira, que eu convidara nos 44 do segundo tempo. Sabia que ela não daria pra trás. Não daria mesmo. Ela estava de conluio com o escritor de letra feia.

Fomos no meu velho Fiesta 98, que, algumas vezes ferveu no caminho. Dirigi preocupada na minha verdadeira primeira vez na longa estrada. Na minha casa, rodovias eram por si só mau presságio. Talvez porque abrissem a porta de casa para o vasto mundo lá fora. De todo modo, fui educada a crer que não as devia percorrer. Conclusão: internalizei o medo de dirigir de São Paulo afora, mantendo-me na imbecilidade de dirigir loucamente dentro das linhas limítrofes dessa caótica cidade. Fato é que aquela viagem soou como uma certa rebeldia e tudo girou em torno do carro, do medo de guiar no escuro, da sensação de que podíamos nos sujeitar a um acidente. Foi exatamente por isso que resolvemos ir para a casa dele.

Transitar naquela estradinha escura nos deixou apavoradas. Ainda mais considerando ser carnaval. Tínhamos duas opções: ou nos divertimos sem responsabilidade ou tínhamos responsabilidade e não nos divertimos. Em outros termos, ou bebíamos e pegávamos a estrada ou não bebíamos e nosso carnaval talvez não fosse tão bom como esperávamos. Não somos idiotas nem éramos imaturas, escolhemos a segunda opção e a casa dele entrou exatamente nesse contexto. Dormiríamos lá e teríamos um carnaval um pouco mais feliz. Incrivelmente mais feliz.

Depois da festa, tocamos para a casa dele, não sem antes tomar um caldinho de feijão e angariar histórias engraçadas na casa de um certo amigo e sua fascinação por pés. Piadas internas para toda essa vida. Chegamos finalmente na casa do Rafa e no exato momento em que desliguei a ignição, já na garagem, o pneu arreou. Foi um ere muito do bem colocou um prego naquela borracha. Ali começava.

Depois de um sono revigorante, acordamos com a receptividade típica dos mineiros somada ao aconchego já possível de antever. A minha amiga era realmente uma pessoa especial e nada e, menos ainda, ninguém que viesse dos laços fortes da sua família poderia soar para mim como cilada. O cuidado com que se tratavam mutuamente confirmava a minha intuição. A atenção a ela dispensada foi estendida a mim, sem cerimônia nenhuma. Em pouco tempo me senti em casa, sem ser folgada, sem parecer demasiadamente rápido.

Conversamos, fizemos um churrasco, brincamos com o cachorro e aquele simples momento entrou no meu universo de "as melhores coisas que vivi nessa vida". De longe, sentada meio distante, olhei ao redor e renasceu em mim a esperança em ter uma família. Tive, naquele momento, vontade de ter nascido no interior, de não conhecer as malícias da cidade grande, de achar errado fazer o que se quer, como se quer. Senti um pouco de falta de um pulso firme, de um clã tradicional, com medo da fofoca citadina, com um afã de preservar a moral e os bons costumes. Era bonito tudo aquilo. Quem sabe um dia eu faria parte daquela filosofia interiorana? Senti-me no começo de um livro do Eça e fui interpelada pela realidade no meio daquilo tudo. Ri pela distração e me coloquei no meu contexto novamente. Era hora de arrumar o pneu do carro.Iríamos dirigir na noite vindoura para São Paulo e voltar àquilo que abominei por segundos.

Mais do que cordiais, subiram todos os homens, enquanto as mulheres arrumavam as coisas. Entendi a divisão de tarefas sem bandeiras do feminismo. Fazia sentido. Imagina que me deixaram encostar no carro. Não era hostilidade, machismo ou patriarcalismo; era gentileza. Às vezes vemos coisas de mais. Será que a ilustração é de todo boa? Parecia bem menos complexo do que ecoam os discursos de gênero.

Fizeram-me apenas tomar a decisão final por respeito e uma certa preocupação em não querer soarem enxeridos. Colocaram o step no lugar do pneu, alertando-me que aquilo estava longe da situação ideal. Aquele pneu substituto nada tinha de garantia de um bom retorno. Era - aprendi eu o termo ali - uma pneu já recauchutada. Ainda que não impusessem a solução, seus olhos alarmados davam a entender o que era certo a se fazer. Olharam-me com cara de que eu não podia retornar assim. Não tem como não ceder às certezas dos mais experientes, ainda que para evitar a fadiga (eles repetem enfaticamente que sabiam sua escolha daria errado). Fomos loucas atrás de um novo pneu. Não achamos, mas silenciamos. O Rafa sabia, contudo, e foi justamente por conta disso, que ele decidiu retornar com a gente, embora sua novo vida em São Paulo já o fizesse fingir ser por seu próprio interesse em chegar à rodoviária.

Eu tive medo de morrer, naquela estrada. Pensei diversas vezes que eu bateria o carro. Prestei atenção no caminho mais do que nunca, com o coração um pouco apertado. Era tarde da noite, o pneu estava ruim, estávamos com sono e eu não podia andar muito devagar, afinal estávamos em uma rodovia. Parei no local onde o Rafa desceria e saiu ele muito agradecido. Ao saltar do carro, parecia que um brilho se afastava. Ao vê-lo partindo rumo ao trem sem volta tive plena certeza de que não o veria mais. Engoli seco, sem nada falar à minha amiga, que, todavia, percebera algo no ar. Respondi que eu não tinha nada e que só estava pensando como aquele cara era iluminado. Satisfeita e sem precisar de explicações, diante daquela irrefutável frase, ela sorriu concordando, com orgulho de carregar na vida pessoas como essa.

Foi naquela estrada que ele entrou na minha vida e naquela estrada que ele saiu da vida de tanta gente. Com a notícia da colisão de seu carro, a cena não me saia da cabeça. Via sangue no chão. O Rosto do Rafa, contudo, para mim permanecia limpo, sem um sinal de dor. Não dormi impressionada com meu pensamento, particularmente pelas razões que justificavam aquilo ter tomado um peso tão grande para mim.

Eu não o conhecia tanto. Eu não sabia nada sobre ele, suas dúvidas, seus anseios, seus planos. Tudo que me perguntava era quem era aquele cara, por que eu o conhecera? A viagem inteira girou em torno da questão do carro, do medo daquela estrada, da escuridão daquelas vias e justamente lá ele morre? Meu Deus, era assustador!

De tempos em tempos, visito sua página na internet, com uma admiração tamanha por tudo aquilo que eu vivi. Era tão simples e tão complexo. Lá, escrevo sempre alguma coisa como se ele pudesse ler. Outros tantos o fazem provavelmente com a mesma esperança. É muito carinho a contagiar aquelas letras que diariamente são inscritas naquela lápide, como se a história dele nunca acabasse, como se a cada dia uma de suas ações gerasse um novo milagre. Depois de quase 1 ano, eu pude compreender... Quem era ele?

Loiro, olhos azuis. O nome? Rafael. Era o meu anjo Rafael.


EM MEMÓRIA DE RAFAEL DE FARIA COSTA

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Tristeza

Perdoem-me os felizes, mas gosto mais da tristeza. 

Desobstrui ela as mazelas da minha existência - tão presentes quanto esse sorriso, mas escondidas no fundo do dente desta boca doente que lhes acena amplificada em falsidade a aparente saúde. Nem os mais belos e brancos pianos escondem, todavia, a falta de sonoridade das suas teclas mais graves. É ainda uma boca enferma! É ainda um canto fúnebre a ecoar daquele belo órgão.

Quando bate o gosto ácido na boca ou o vento frio, que nunca veio (ou demora a vir de novo, como é meu caso), a dor é incessante. E o estranho (para os outros) é que, ao passar do tempo, uma simples brisa causa dor maior que um vendaval. O vendaval não se sente mais... Anestesia. Aí é o fim de tudo, amigo. 

É preciso crer que "a felicidade futura tem de ser maior que a passada..."  É o que se diz por aí, a despeito desses dizeres se despregarem como palavras soltas, sem sinergia de grupo. Eu, conjugadamente, acho desesperado e patético, mas tenho respeito. Só porque não discordo que não acreditar nisso é a tristeza que não faz bem, porque não permite crescer, não permite viver. Para se conhecer a dor, tem de se conhecer a sanidade. Por isso, para esses que nada têm de esperança, envio uma pena, um papel de carta, um uísque e um revólver municiado. Nessa ordem.

Mas para que viver então? Pára de doer? Não sei, a minha dói, todos os dias quando acordo, quando como, vou ao banheiro e durmo. Se se entende, ou se constata, que uma dada situação irretomável é o auge da felicidade, tudo será tristeza então. Toda "felicidade" será pouca se o parâmetro inicial já é inatingível, por uma impossibilidade fática. Não me venha com afirmações de quem fica sentado na poltrona achando sua vida infeliz. Levante a bunda e vá ser infeliz. De todo modo, a dor saudável é aquela de quem quer que se finde. É a mola da vida. É a razão que vos escrevo...

Vivamos na hipocrisia, para que não cometamos suicídio, ao selar o prometido embrulho.