Pensei que a minha história também poderia estar ali. Afinal, tinha o mesmo requinte. Na verdade, tinha mais que elegância. Tinha um quê de impossibilidade, o que faz qualquer narrativa de amor mais romântica. Salve as novelas globais... Era incrível a semelhança do pano de fundo e tinha medo de que minha vida acabasse como a narrativa daquele livro. Intuía o fim, porque sabia exatamente onde encontrava falhas no que eu vivia. Sabia, diferentemente do eu - lírico que ousava crer que as diferenças se somam, que as diferenças ora ou outra se fazem irritantes.E a distância... Mais cedo ou mais tarde apertaria o calo. Éramos extremamente diferentes e tive conhecimento disso, no exato instante em que ele cruzou a minha vista ávida por um momento de deslumbre com uma beleza peculiar. E era isso que loiros de olhos azuis faziam comigo. Sei que os nórdicos são senso comum a brasileiras de pele morena, mas não era o trivial que me encantava nele ou em qualquer outro homem daquele tipo. O que me imantava era a mistura entre o incomum angelical de seus rostos (anjos são sempre loiros, não são?) - que beiram até ao delicado feminino - com a virilidade do ser homem, coisa que ruivos, morenos, carecas, loiros ou grisalhos carregam com o falo. Não sou lésbica, acreditem, mas a beleza que me fascina é a que une aspectos que deveriam conflitar-se. Esperar algo do meu gênero em um homem não me causa mais embaraço ou duvida quanto a minha sexualidade, ainda que me faça admirar cada vez mais os gays. Os homossexuais foram os primeiros a perceber como tornar complementares contradições aparentes. Daí, abriram espaço para que alguns de nós - grupo ao qual eu me filio - pudessem usufruir do pote de ouro descoberto pelos donos do arco-íris, sem ter de "virar" gays (ainda que eu particularmente ache que isso tenha ocorrido com uma boa parcela de indivíduos tão-só confusos e desconcertados com a genealidade da descoberta). Hoje, para ser homem é preciso saber o que é ser mulher e vice-versa. Para a maior parte das mulheres, sensibilidade é um a mais, que não se espera do macho. Se se tem "melhor", se não "paciência, era de se esperar". Para mim, contudo, não é um mero opcional, é um item de fábrica. Ou se tem ou tchau. Sou muito sensações e emoções e estar com uma pessoa que não as viva com intensidade é inimaginável. Homem só é homem, a meu ver, quando não diz que lágrimas nos olhos vieram por conta de um cisco... Caso contrario, é um machista ou hipócrita, coisas com as quais não me esforço em lidar.
Anjos são sensíveis. Anjos são loiros. Loiros são sensíveis. Meu silogismo fazia sentido. Era uma lógica imbecil, não boto em discussão, mas não totalmente despropositada se avaliarmos os condicionamentos e pressupostos mentais plantados na nossa cabeça. Quem disse que Jesus era branco de olhos azuis? Por que beleza está atrelada à magreza? Assim como muitas tantas, aquela analogia estúpida - talvez feita na minha infância - foi se propagando pelos tempos e se consolidou. Fez-me atraída fisicamente só por aquele espécime nórdico. Ainda que a dádiva daquela aparência seja sujeita a confirmação/denegação psicológica, eu sempre os achava sensíveis, quando os via. Independentemente das minhas tentativas malfadas de convencer vocês de que há ternura nos loiros, a única coisa que deve ficar claro é que era a antítese dos seus ares celestes em trajes mundanos que me encantava. Ele era o paradoxo em pessoa. Era evidente que olharia para ele com fascinação. Amiga, você viu aquele cara? Ela riu e respondeu "seu número".
Dois metros e quinze de um corpanzil descompassadamente belo cruzaram sobre o meu caminho. Sempre odiei homens altos, mas sempre adorei os estranhos e isso inegavelmente se é com esse tamanho todo. Seus gestos afoitos e desengonçados o faziam como tal. Movimentos bruscos se alternavam com sua voz calma e doce e aquilo fazia de sua enorme existência um tanto quanto enigmática. Sua risada efusiva e apetitosa era uma daquelas que você faz graça para ouvir de novo. Era um ruído gostoso e suave que eu não me cansaria de ordenar com o afã de um maestro. Sentia dó daquele rosto triste, ao mesmo tempo em que aqueles milhões de centímetros de um corpo avassalador me traziam uma segurança máscula. Não tinha como não se enebriar, pois eram muitos detalhes naquilo tudo. As tatuagens e o moikano tentavam transparecer uma força que na verdade ele não parecia ter. O ar fechado de sua feição se somava aquele contexto, mas eu achava tudo aquilo bobo. Achei que o exagero beirava à total fragilidade e dúvida do que se era. Ele me passava imagem de infantilidade. Eram informações dissonantes que trazia. Ele precisava quebrar a delicadeza de seus traços harmônicos com um ar de coisa mal feita. As roupas rasgadas brigavam com o seu rosto de nariz fino e lábios retilíneos desenhados com perfeição. Ele era belo, mas queria ser fera.
Era um soldado americano. E esta novidade trouxe toda carga negativa que poderia. Relembrei os meus professores de geopolítica e meu avô - que preferia falar /jás/ ao invés de jazz por crer que o acréscimo do nosso vocabulário com palavras que poderíamos produzir com os sons locais era bajulação desmedida. Achava que meu avô estava certo. De todo modo, não era bem isso. Nunca gostei de pessoas condicionadas a seguir ordens sem qualquer questionamento prévio. Era exatamente isso que, no geral, membros da infantaria faziam, sim senhor. Um dia - na verdade depois de muitos dias de receber ordens como vaquinhas em presépio - começavam a mandar e compensavam com a raiva de capitão Nascimento as babaquices, elevando seu nível, para deixar marcas de superação. Era meu jeito de ver o exército, certo ou errado era o meu jeito. Se isso já é ruim por si só, é pior com os filhos do tio Sam que justificam não só no seu pelotão, mas no desenvolvimento civilizatório, as suas barbáries. Não posso negar que o ufanismo é algo que admiro neste povo do lado de lá - até porque acho que explica em muito as mazelas do Brasil e o nosso conformismo - mas acho que o amor a pátria só existiu com os colonizadores natos. Foi, rapidamente, convertido em xenofobia e arrogância e isso me fazia odiar norte-americanos. Fez-se mais eloquente todo meu discurso das contradições, quando soube que era do grupinho camuflado. Eles querem ser algo que no fundo não são. Sempre os imaginei armados até os dentes a chorar escondido no banheiro por causa de um amor. Tipo um emo em trajes de guerra. Era assim que gostava de pintar a cena e, tendo ele como personagem, a imagem era exatamente perfeita.
Tive vontade de zombar dele. E aquela tentativa ridícula de dançar samba fez impossível não fazê-lo. Comecei a imitá-lo. Desinteressei-me por alguns instantes, mas ele me puxou novamente, ao também imitar o jeito que eu segurava o meu copo de cerveja. Às vezes, o feticiço vira contra o feiticeiro e aquele era um dos dias em que a minha fragilidade estava, de fato, travestida em um longo copo de álcool. Ele me fez sentir vergonha e raiva e isso era um bom começo. É... Eu sou estranha. Tinha todos os motivos do mundo para achar que não deveria conversar com ele: soldado, americano, americano e soldado. Para mim já bastavam todas as quatro razões. Mas, estranhamente, não me arrependi de ter começado o papo, não só porque ele em nenhum momento me xavecou (o que me deixou possessa), como também porque o "soldado e americano" eram coisas que ele quis esconder a todo tempo, não fosse seu amigo BRA-SI-LEI-RO, que fez questão de falar ("Somos da Army"), ruídos que logo o fizeram torcer o nariz, com olhar de repreensão. Sua pele branca chegou a corar e ele, querendo disfarçar, bradou, com ironia: "Nossa, que orgulho!". Ele não só dizia não saber o que :fazia naquele depósito de músculos e armas - que só nesta exata medida combinava com ele - como também era claro que seu jeito rebelde e desencanado nada tinham de patriotismo e preocupação com a bandeira estrelada. Percebi logo que só o corpo dele se ajustava àquele pequeno mundinho de soldadinhos de chumbo. Distrai-me um pouco, propositadamente, ao sentir o silêncio estranho de conversas como aquela doer os ouvidos. Olhei à minha volta, buscando um assunto por ali, para prosseguir aquela conversa. Foi quando me deparei com uma grande foto de Fidel, logo acima do ecoar de suas palavras. Ri no canto da boca e lembrei. Estávamos em um bar cubano! Aquilo não poderia fazer mais sentido (ou melhor aquilo não poderia ser mais sem sentido). Ele era o paradoxo em pessoa. Fiz uma reverência mental à Estátua da Liberdade, em agradecimento por aquele momento bizarro, que são os que verdadeiramente tornam a nossa vida interessante. E foi aí que tudo começou.
Esqueci de contar que não é só o aspecto sensorial que me causa desassossego frente a um homem. Eu precisava de boas idéias e isso dependia de um cérebro em uso. Gostava deste item de série que agora costumava vir como opcional de fábrica, sem grandes espantos dos consumidores. De fato, já passaram por mim muitos branquelos alourados que nem percebi direito, simplesmente porque eram só um corpinho bonito, mas vazio. Além do órgão pensante, eu precisava de um desafio. Não me entretiam homens bem resolvidos. Depois que finda a relação com alguns desses, não sabia o porquê e retava. Novamente juntos, não tinha vontade de estar ali. Era melhor que não fosse assim, mas o que fazer? Faltava algo sempre, mas demorei muito tempo para perceber e/ou assumir que era essa característica, que eu sempre disse necessária, que me causava algum desconforto. Eu precisava ter um probleminha para resolver... Era isso que divertia a psicóloga nas horas vaga que eu sempre cultivei dentro de mim.
Como todos têm problemas, esse quesito (algo mal resolvido para eu exercitar meu cérebro em tentativas vulgares de decifre) era logo preenchido e eu começava a investigar a minha cobaia. E me achava boa naquilo. Sempre que conversava com um amigo me sentia ótima "profissional" ao ouvir "nossa nunca tinha pensado nisso". Eu fazia isso rapidamente. Prestava atenção em alguns trejeitos e olhares, questionava coisa ali e coisa aqui e vinha com uma tese infalível tipo horóscopo. Sempre colava. Sempre que falam uma coisa sobre você é natural que, mesmo descrendo e achando absurdo, você fique com uma pulguinha atrás da orelha, para saber por que causou esta impressão na pessoa, a não ser quee você seja super seguro. Eu não era e sei que boa parte das pessoas não o é, muito menos um soldado inevitavelmente inexperiente nas artes das dores e manifestações de afeto, até por exigência e necessidade de sobrevivência naquele ambiente inóspito à sensibilidade. Eu jogava na mesa as minhas cartas, num blefe, diante de um jogador café com leite. Era vitória certa. Ainda assim, fique claro que eu não permitia que o mesmo acontecesse comigo com facilidade, a não ser que meu parceiro de pôquer já conhecesse meu jeito de jogo. E, na verdade, quem me conhecia bem não ousava me criticar sem muitos dedos e palavras já muito reduzidas. Uma coisa era certa: eu era boa observadora e tinha sempre cartas pesadas nas mangas. Iria doer, porque eu ía rebater em progressão geométrica. Não valia o cansaço... Eu era uma pessoa difícil de lidar e de alguma forma era isso que eu queria ouvir da boca de cada um dos homens que eu prendia com camisas de força no meu divã. Adorava desvendar as razões freudianas - ainda que não tivesse lido um só livro dele.
De todo modo, não precisa ser muito inteligente, para saber que atrás de trejeitos a sempre histórias ou traumas. Os deles não precisavam de muita atenção, pois saíram em frases prontas da sua boca. "Não falo com minha mãe". Ele era um prato cheio aos meus desatinos acerca do complexo de Édipo... Péssima relação com a progenitora era igual a mágoa pela separação dos pais. Recém divorciado, com evidentes medos de relacionamento. Era o eu diagnóstico para o "o casamento é o começo do caos" que eu ouvi dias depois. Estava na hora de começar a trabalhar.
Não me arrependi de começar aquela conversa justamente porque ficou claro que ele não estava no exército por amor a Obama. Disse que, bem diferente do que pareciam os seus homens de seu pelotão, no geral, ou eram idiotas, loucos e ele se fazia questão de se incluir no segundo grupo (ainda bem). Para mim, viciada na necessidade do caos, havia algo mais. Era uma fuga... Era mais gostoso pensar assim. Tinha tudo para me apaixonar.
Não esperava mais sentir isso, contudo, porque este sentimento é algo que se tem uma vez na vida - já ouvi isso de grandes sábios - e a minha já tinha existido. Não se vê mais no fevereiro de 2011 o mesmo colorido que se fez presente no de 2010 e os novos foliões, neste ponto, pagam pelos antigos - que fizeram arruaça, em outros carnavais. Isso tem tanto sentido, na minha vida, se soubessem... Enfim, a paixão não era mais possível e espero que você ainda não tenha se apaixonado, porque saber que este sentimento é tipo catapora não é nada agradável e tira um pouco da sua mágica. Amor, contudo, ainda poderia despontar, mas, a duras penas aprendi que nem sempre ele corresponde a "estar junto". Estar com alguém que se ama está condicionado a uma comunhão de afinidades. Nós não tínhamos...
Não esperava mais sentir isso, contudo, porque este sentimento é algo que se tem uma vez na vida - já ouvi isso de grandes sábios - e a minha já tinha existido. Não se vê mais no fevereiro de 2011 o mesmo colorido que se fez presente no de 2010 e os novos foliões, neste ponto, pagam pelos antigos - que fizeram arruaça, em outros carnavais. Isso tem tanto sentido, na minha vida, se soubessem... Enfim, a paixão não era mais possível e espero que você ainda não tenha se apaixonado, porque saber que este sentimento é tipo catapora não é nada agradável e tira um pouco da sua mágica. Amor, contudo, ainda poderia despontar, mas, a duras penas aprendi que nem sempre ele corresponde a "estar junto". Estar com alguém que se ama está condicionado a uma comunhão de afinidades. Nós não tínhamos...
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