Bateu de frente. Com meus conceitos arragaigados. Hermeticamente confeccionados. Perfeitamente estruturados. E ele veio... E fez duvidas. Como? Sempre fui daquelas que não mudava de opinião. Planejei a vida inteira com exatidão de milímetros. Cada idéia era avaliada pelo mais elevado clã. Os meus Deuses do Olimpo se juntavam para debater a minha vida. E decidiam. Eu repetia as instruções com o rigor de um soldado alemão em missão do Fuller, fazendo das ordens familiares minha vida. Ou não vida. Eram passos a seguir pegadas já desenhadas no chão. Tão-somente. Não era apática, contudo. Pior que isso: era convencida. Persuadi a mim mesma e cri na versão de que tudo aquilo era o que eu queria. É mais fácil aos dominados acreditar que sua vida tem um propósito. Comprei a propaganda e vendi o produto, como se fosse a dona da marca. Mas caminhava, caminhava, sem nem pensar se a mercadoria era boa. Diziam os consumidores que era necessária e eu a usufruía como bem de primeira necessidade consumeirista. Focava-me só na perfeição, que era o ímã da minha andança. Queria sempre mais e já me esquecia o prazer das coisas que tinha. Pós graduada, PHD, conceituada, pra quê? Aqueles broches no terno de seda não me traziam o êxtase de um amar amando. Nem lembrava como era. Cada transa era uma forma de redução do stress, posto que necessário. E se eu não quisesse ganhar mais dinheiro? E se eu tivesse cansada de fazer do meu curriculum um enorme letreiro? Palavras soltas que não vivem nada. Que não me trazem mais do que títulos que eu sequer pude aproveitar... Meus planos se esvairiam como quadros de Dali. Eu não era feliz. Senti arrependimento de lutar tanto por uma batalha da qual sairia vencedor alguém já a tal destinado pelos diplomatas mancomunados. Desesperei-me, ao olhar para trás e não ver ninguém, além de mim. Eu era a mais bem sucedida, e justamente por ser membro de um estamento elevado, punha-me lá sozinha na minha toda bem sucedida e solitária vida. Bem-feito, prepotência. E, neste contexto, qual era a graça da reverência dos outros perante alguém fracassada em amor? Quem me explica a felicidade de ser exemplo mais incipiente nas artes dos sentimentos de vida do que eu? Quero errar. Posso errar. Devo errar. Com isso tudo esquecera o dom de amar. Não sentia mais frio na barriga quando alguém se aproximava. Ouvia juras de amor de apaixonados com um "até parece" já esperando sua hora de fazer sentido... Sempre fazia. Mas, pirei com ele. Talvez aquele eco não encontrasse mais espaço para soar na minha vida. O cara me virou do avesso e me fez achar o "até parece" uma frase pessimista. E por isso fez um antigo amor voltar forte na minha cabeça. Seria também pessimismo? Estranho que por me amar tenha me despertado o amor de outro, o amor por outro. Imaginava-me casada, porque isso era algo a que todos estavam fadados. Não se falava de pessoas felizes em sua solteirice. Eu, na reiteração da falta de crítica, vendi a idéia com o mesmo afã que os primeiros estoques. Estranhamente, não imaginava o amor, porque para mim isso era um detalhe. Uma pessoa para eu viver precisava ter os mesmos ideais, bom humor e um travesseiro próprio. Estavam trocadas as alianças. Mas meu alvo de amor, aquele que rememorei, não era o ideal, era real, e como tal, imperfeito. Foi por isso que o mandei embora... Aquele novo ser, tão imperfeito como o primeiro, só que com mais psicologia, tocou no mais porão de mim. Tudo que não me servia estava lá. Porque eu também não queria me livrar de nada. Como cego a tatear imaginava que algo daquilo tinha seu valor se arrematado. Não sabia o quê, mas imaginava. Como criança nova que se esconde após fazer algo que já intui fará ecoar um "Rodrigoooooooooooooo", ao invés do carinhoso "filho" ou do apelido que já estava achando ser o seu nome. Naqueles minutos sabiam que ou Rodrigo era um homem mau. O Rô temia o Rodrigoooooooo. Acho que me expressei bem. Pois, então lá guardava aquele sentimento. Nem eu sabia onde. Estava lá jogado junto com a solidariedade, com o descanso e com a humildade, coisas que meu compulsivo toque por crescer na vida deixaram de lado. Estava eu sabendo mais e isso me fazia mais arrogante. E do amor sabia eu menos, e não me sentia ignorante por isso. Até então... Ele me mostrou o quanto idiota capitalista eu era, não obstante meus discursinhos e textos pró socialismo. É fácil defender a igualdade, comendo brioches comprados de muito dinheiro tirado de uma carteira calvin klein... Eu justificava minha escolha na nobre desculpa de que queria crescimento pessoal. Mas sabia que o que queria era uma bolsa nova a cada mês e ele não poderia me dar. Foi aí que percebi onde eu tinha ido parar. Perdera meus valores mais caros. Ele me fez ver como imatura eu era, ainda que gritasse aos ventos as minhas "experiências". Todas no passado. Óbvio. No mais remoto do passado. No meu tempo, só havia eu. E a conjugação da terceira pessoa era sempre assim: ele fará para mim, ele perderá para mim, ele sucumbirá a mim. É como bacharéis de Direito conjugam verbos... Procurei um antigo amor. E vi quão despreparada eu era para dizer "eu te amo". E quão minhas aquisições intelectuais eram despropositadas. De fato, nenhum sábio ousaria contar a um trabalhador, em seu mais forte vapor laboral, que, no final da vida, todos os dias em que optou pelo suor em detrimento da companhia dela redundariam em solidão. Sendo eu o protótipo do sucesso, menos se atreveriam a contestar o modelo de sucesso que em mim se fazia concreto. Era o que o mundo precisava... E quem atentou para a coadjuvante? Não era ela certamente o que achavam essencial à sociedade, e por isso sua ação era colocada em penumbra. Ela era louca. Apaixonada, mas desempregada que não queria nenhum bem que seu trabalho poderia comprar, queria você e por não tê-lo foi atrás de outro alguém que a desse apenas seu colo em uma noite escura de uma favela ou de um palacete. Tanto fazia. Era a companhia que importava. Eu não sentia necessidade. Até então... O saldo desta contada história que se passava as gerações futuras era o ócio dela. E como isso tinha que trazer a impressão de tristeza, pintava-se a paixão de insensatez, que coíbe o reflexo do espelho. É assim que a História é replicada, por entre a nova Epoque de estudo e emprego. Palestras de universidade. Era a moça louca, uma irracional, que por não ser compreensiva (como se pudesse sê-lo) foi condenada a não ser ninguém. E eu que era o que chamam de "alguém" preferia o anonimato, desde que entregue a mais bestial das paixões. Sentia-me assim com ele. Por muito tempo, contudo, fui aplaudida pelo estereótipo social. Tudo na minha vida parecia certo. E ainda que não fosse exatamente o que queriam ninguém metia o bedelho nas escolhas da minha senilidade. Os meus Deuses do Olimpo não eram imortais e ainda que as decisões seguissem um contexto mecânico já idealizado, não passavam mais por outra revisão que não a minha e eu não tinha o dom da auto-crítica. Ninguém também ousaria me apontar o dedo para dizer que eu agia errado. Ah mas ele fazia, com seu jeito de amor, mas fazia. Passei a questionar. Primeiro, quis impor o mesmo estilo de vida, afinal era igual ao de comercial da Coca-Cola. Vá estudar, ninguém vive sem escola. Critiquei o seu jeito de não querer mais dinheiro e não entendia como alguém não queria ser o melhor no que fazia. Você não pode se contentar em ser mais um. Ouvi um sonoro "Por que não?" Tapa na cara. Por que não? Eu não tinha resposta, mas era ensinada a dizer que não podia ser assim Só tinha me esquecido de perguntar a razão. E foi assim que vivi, durante anos. Era o certo a se fazer... Era? não sabia mais dizer... Mas sabia fazer discursos perante inúmeros juristas renomados e diante das inúmeras excelências que frente a mim se colocavam. Eu, de fato, surpreendia pela minha pouca idade e muita eloquência. Mas me envergonhava de não saber mais como é possível largar tudo por um amor. Não conseguia me livrar da vontade de comprar um utensílio inútil, de vez em quando. Não sabia amar. O cara me ofereceu sua casa de pescador e seu amor para comer. Eu fui. Peguei meu laptop e fui correndo.