A gota escorre no vidro da janela e eu me emociono diante das sutilezas divinas. E você se queixa de não conseguir me fazer feliz. Não poderia você criar isso mesmo. É no detalhe, no inusitado que o riso me vem sem embaraço. Não quero nada que lhe tire a essência, não preciso de amor em regulados pedaços. É a naturalidade íntegra do seu ser, se em paz, se a não me cobrar nada demais, que me faz bem. Mas se ele não vem assim de graça, não insista que não há nada que nos faça ir mais além.
Desembaraço
Finalmente, tive coragem. Publiquei meus textos. Todos aqueles por anos calados no meu HD saltitaram pelo www, para poderem ser criticados e ridicularizados. Haviam sido lidos por amigos da mais alta intimidade que talvez silenciaram um riso de desdêm. Agora estão aí jogados às piranhas, para o apetite coletivo. Não temo mais o embaraço...
terça-feira, 30 de agosto de 2011
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
Muito Prazer
Não vendo meus sonhos por nenhuma quantia relevante. Não troco uma noite de amor recíproco pela unilateralidade de um bom amante. Não dou risos fáceis em troca de aceitação. Não gasto pouco exatamente em dia de liquidação. Não tenho dores, mas quando dói é infinito. Não falo "amo", mas quando digo é sobredito. Estou aqui. Você me vê? Esta sou eu, muito prazer.
Cada Felicidade
Temos que respeitar o caminho adotado por cada um para alcançar a felicidade. Não podemos emprestar nosso mapa a ninguém, até porque sequer podemos afirmar que o trajeto por nós escolhido é o correto e se é o mesmo que trilharemos amanhã (quando nosso entendimento sobre este conceito for outro, quando nossas possibilidades de vida fizerem-no diverso). Respeito seu jeito de ser feliz ainda que ele não faça sentido para o meu atual sê-lo.
sexta-feira, 26 de agosto de 2011
Assobio de Deus
Parece difícil entender os ditames divinos, se estamos fechados em nossas inseguranças e teimosias. É como se as palavras Dele voassem como folhas de inverno e batessem em nosso rosto sem que percebamos. É preciso, portanto, despir-se dos agasalhos de medo e confiar que o frio não trará dor. É exatamente a crença de algo transcendente a suas escolhas que faz você ouvir o assobio do vento claro em seus ouvidos, a dizer ser amanhã um dia de sol (ainda que a previsão do tempo assegure a tempestade).
terça-feira, 23 de agosto de 2011
Carreira Solo
Sentei-me ali naquele banco, esperando que alguém ocupasse o outro canto, em minha companhia. Nada se fez. Fiquei ali sozinha quase a vida inteira, esperando, espernado... Quando decidi sentar em uma cadeira, aconchegaram-se em meu colo. Fiquei ali com ele quase a outra parte da vida, reclamando, reclamando... Acho que prefiro o banco.
sexta-feira, 19 de agosto de 2011
A mesma água
Foi num amanhecer de quarta-feira, em que a semana já se faz pequena que meu tempo parou. A noite se fez manhã, e eu em febre terçã, não parei de falar teu nome. Balbuciava sequencialmente as letras deste você ausente que na minha loucura eu trazia aqui. Seu rosto resplandecia naquela água fria que debruçavam para me fazer a realidade. Oposto de me fazer sentido, aquilo mais alongava a insanidade e eu fazia repetido: Você é gota. Chove em mim. Você está solta. Se prenda assim. E percebendo o meu grito sem efeito, eu chorava, ao menos, em seu respeito ... A mesma água.
Foi na quinta-feira restante, em que a semana pareceu tão grande, que meu tempo correu. O dia se fez escuro, e, então me vi em apuros, ao não conseguir mais dizer seu nome. Asseverava racionalmente frases do eu presente que eu não percebia lá estar. Meu rosto nada refletia, a defronte se fez vazia no espelho da minha verdade. Ao perceber tamanho sentido, desisti da minha vaidade, e fiz novamente repetido: Você é gota. Chove em mim. Você está solta. Se prenda assim. E percebendo o meu grito sem efeito, eu chorava, ao menos, em seu respeito... A mesma água.
quarta-feira, 17 de agosto de 2011
Saudade
É com a pena da metalinguagem que inicio esta centésima mensagem a quem se ousa esta incipiente leitura. Não é a arrogância que norteia toda a minha partitura (é justamente por me reconhecer idiota que assim os digo). Meu sábio amigo (pois só este laço o traria aqui), peço sua condescendência com o incansável repetir desta dor, com o eco constante do lamento a suspirar nos olhos deste leitor, que por iniciar, já se mostra arrependido. Peço um pouco de paciência... ... ... Retiro o pedido. Pois se sangra a minha ferida não vou estancar o fluido com o curativo do fingimento. Não há máscaras de riso que se ajustem ao meu rosto, sem que eu force o cabimento, que consigam tapar naturalmente dos olhos o meu pranto.
Todos os dias miro aos céus procurando algum sinal destes sedizentes santos para confortar esta dor que não passa. Contudo, nenhum dos espíritos de luz nem o cara pendurado na cruz são capazes de justificar a minha desgraça. Ninguém explica por que eu fiquei, enquanto todos aqueles a quem dirigi o mais fraterno amor viraram cinzas. São os seus quadros autografados com branca tinta - há muito seca - que pendurei, em segunda vez de luto de morte, na sala. Na mesma sala, em que sua filha tentou, pela última vez ser forte, e eu, pela primeira, vi-nos frágil diante de um universo de impossibilidade. Gritei com força meu sufoco, diante da anunciada verdade: ela se fora. Já cansada, guardei as linhas e o carretel com que arrematei o mesmo grito, que, pela terceira vez, já saiu rouco. Não dá vontade sequer de gritar. É muita morte para eu ver assim tão de frente. É muita história para iniciar com "de repente". É muita saudade...
Todos os dias miro aos céus procurando algum sinal destes sedizentes santos para confortar esta dor que não passa. Contudo, nenhum dos espíritos de luz nem o cara pendurado na cruz são capazes de justificar a minha desgraça. Ninguém explica por que eu fiquei, enquanto todos aqueles a quem dirigi o mais fraterno amor viraram cinzas. São os seus quadros autografados com branca tinta - há muito seca - que pendurei, em segunda vez de luto de morte, na sala. Na mesma sala, em que sua filha tentou, pela última vez ser forte, e eu, pela primeira, vi-nos frágil diante de um universo de impossibilidade. Gritei com força meu sufoco, diante da anunciada verdade: ela se fora. Já cansada, guardei as linhas e o carretel com que arrematei o mesmo grito, que, pela terceira vez, já saiu rouco. Não dá vontade sequer de gritar. É muita morte para eu ver assim tão de frente. É muita história para iniciar com "de repente". É muita saudade...
terça-feira, 16 de agosto de 2011
Superação (?)
Ela se despiu, com alguma vergonha. Se hesitou foi por evidente cerimônia. Ela queria... Encarou-o, então, meio de pino. Buscou perceber se a reação dele repreendia-lhe o desatino. Mas ela queria... Forçou, então, a negativa para poder sucumbir ao prazer. Não fez exageros, não tomou a iniciativa, nem ousou dizer... Nada falaria sobre sua abstinência. Isso ela esconderia... Vetou proclamar-lhe ao pé do ouvido qualquer indecência, mas se desnudou com propositado alinhamento. Preocupou-se, como uma novata, se ele notara o seu conhecimento, do que se arrependeu. Deveria esconder... Riu em denúncia anônima a falsa primaridade. Colocou vagarosamente a roupa e, relembrando ter vaidade, deixou parte do seu corpo exposta. À pergunta de novo encontro se fez ausência de resposta. Ela temia... A sua mente fez alta aquela triste lembrança escondida em apelo a esperança de um novo amor. Ela temia... Não ficou para um cigarro, não dividiu sorriso, pós-amor ou fez qualquer sarro dos descompassos do sexo. Ela temia... Fugiu, correu, saiu, em pensamento desconexo com a cena de carinho que ousara viver. Era a ira que lhe enchia o peito, que lhe fez sair do leito onde poderia haver amor. Ela temia... Ela aprendera a temer o amor.
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
Partida
Sei que, quando eu partir, você vai me virar a cara, rasgar a foto do porta-retrato da sala, blasfemar sobre nos dois. Mesmo assim vai tentar que haja depois, por puro costume de presidir a nossa história. E, após a minha negativa, vai repetir a sequência da despedida, só por ofensa à minha memória. Ao se sentir humilhada, entregará seu corpo a outro camarada, em cujos braços se lembrará de mim. No esforço de me esquecer, vai assumir que ninguém lhe é bastante, ou lhe será um bom amante, que eu é que sabia te tocar. Enfim, você vai chorar. Vai chorar muito, ao se dar conta que nossos mundos eram totalmente dissonantes. E quando as lágrimas secarem, visitará saudosa os lugares onde tivemos bons momentos. Depois de um tempo, perceberá que eram poucos, que brigávamos feito loucos, que não havia mais a nossa paz. Após insistir em condenar a minha atitude, vai reconhecer que jamais eu pude, jamais eu quis te machucar. Recorda o nosso eu assim e faz uma oração para mim, para que eu possa me encontrar. Provavelmente, ainda estarei na fase de me arrepender desta partida...
Desabafo
Talvez nunca mais pudesse saber o que é o amor. Esqueci a sensação de acordar de manhã já feliz, sem precisar angariar frutos de alegria para sorrir, no curso do dia. Eu recorria incansavelmente à companhia dos meus amigos, às noitadas, aos prazeres da carne, que quando findos desmarscaravam a incompletude do meu eu. Aprendi, a não me permitir e tinha medo desta desautorização agora. E, não acho que fiz errado, naquele passado, mas agora aquilo tudo não fazia mais sentido e eu não conseguia mais voltar atrás. Ao me convencer de que amar não era necessário, estava em uma boa fase, um momento em que realmente não precisava de nada mais. Para ser sincera, talvez estivesse em uma fase mais superficial de bens, de exterioridades. Hoje, no ponto alto dos meus questionamentos sobre a vida e sobre a morte, pergunto-me onde escondi esta felicidade. Já revirei tudo aqui dentro e não acho. É ótimo ter a convicção de que a felicidade está dentro de si mesmo e ninguém no mundo poderá trazê-la se não você, mas o que fazer se você não consegue mais atingir isso? Será que é hora de terapia ou será mesmo o correr natural da vida, em que o ser um não mais lhe basta? Nunca me senti tão só. Nunca.
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
Despedida
Abri meu despertar com um sorriso pueril, mas o sol não brilhou mais por isso. Tudo que se fez foi tropeço na escada, má recepção na minha entrada, olhares feios sem razão. À minha pergunta casual se fez resposta com um não. Não, querida, hoje não é seu dia. Parece que podia ouvir de lá de cima (mas o "querida" era a mesma parte do sorriso pueril que agora era forçoso manter). Talvez não fosse mesmo o meu dia, mas eu não era mulher de aceitar negativas sem, antes, muito debater. Nada me atingiu, eu insistiria para a despedida deste acabado momento não deixar padecer as considerações de que o mal agradecimento foi o que me motivou. Ao menos, eu não internalizaria isso. Que eu não era mal agradecida, todos sabiam, mas parece que proclamar isso era dever de ofício. Para mim soava mais como o desperdício da minha amizade, que, a despeito de valiosa, estava se tornando impossível manter. Nunca ignorei uma mão erguida a tatear à minha vista, ainda que para assuntos cridos como alheios a este ambiente (como se fosse possível segmentar a vida em compartimentos, a mente em acontecimentos, o homem em suas funções). Por que então todo término precisa ser marcado por caras e bocas, por palavras soltas, que todos sabem não fazer sentido? Não existem jardões e solenidades para nenhuma despedida. Tudo que se fecha, inevitavelmente, dói, não contesto, mas precisa haver luto ou protesto, para se pegar o bilhete desta nova partida? O homem naturalmente arruma suas zonas de conforto e sei que deixar o certo para trás, em troca do duvidoso é sempre assustador. Contudo, é mesmo necessário colocar uma pecha ruim no que não faz mais sentido ou já se mostra esgotado? Fazer isso é desgostar de uma parte de você, que ficou ali, naquele passado e com a qual foi preciso conviver, para se saber pronto para ser mais. "Foi bom, enquanto durou" é falácia, se sempre tentarmos achar falhas para justificar o fim de algo, que sequer era pouco. Não seria muito, para o tanto de sabedoria detida naquele exato momento? Não precisamos, portanto, agora dizer haver defeitos, para justificar o dito adeus. Este outro você nascido ou flexionado pelas intempéries do destino, mais consciente do que são os desatinos (um ser reformado) só está pronto para poder não saber o próximo passo. E se o mistério é a mola precursora do desembaraço, caminhar adiante para decifrar a vida é a razão de nossa existência. Digo então com sentido de cada letra ter sido bom enquanto durou. Espero que façam o mesmo, mas entenderei se ainda não puderem. Vocês ficam; eu é que parto... A minha frente a luz no fim do túnel ainda me é letreiro de interrogação. Fiz a coisa certa? Vocês podem dizer que não? Eu não posso. O MEU viver é ter dúvidas...
quinta-feira, 11 de agosto de 2011
Luto
Abri aquele armário, por saber que era preciso fazer findo. Mas não consegui doar algumas roupas. Na verdade, foram poucas as peças em que consegui embutir a minha dor, que era muita. E, de algum jeito, queria sofrer. O choro era um pouco de você presente em mim todo dia, que só era menos ruim, se tivesse estes minutos. Cada lágrima era uma lembrança, uma história revivida. Os olhos d'agua faziam da memória a minha guarida, o baú do meu passado, ali para eu recorrer nas horas em que eu procuraria nos seus braços o meu sossego. Se eu me livrasse de tudo, superasse este degredo, acalentada pelas orações dos amigos, e seus inúmeros conselhos, quais detalhes do seu rosto por certo remanesceriam? Ninguém podia me dar esta certeza, de que o tempo não apagaria seus traços, e diante da mera dúvida de que minha mente poderia se esvaziar em mínimos espaços, eu me opus a medidas drásticas, que sem exagero, resumiam-se a jogar seus pertences fora. Ainda que lhe soubesse ausente por toda a minha vida, deixei tudo como estava para me permitir lembrá-lo na plenitude viável ao já trasncorrido. Eu não correria o risco de perder um flash de você, de não ter mais a possibilidade daqueles objetos forçarem minha mente a lembrar de momentos nossos, o que agora era muito, pois era tudo que eu teria, nesta eternidade que se tornara a minha vida. Talvez, jogasse fora os relances já fúgidos dos seus trejeitos, junto com aquela muda de roupa, que agora ía à posteridade, sem a sua despedida. E foi por isso que, contrariando alguma lógica no luto, eu dei vazão a minha vontade: doei o novo, etiquetado (por dever terapêutico) e tudo mais recoloquei no armário, como se dentro dele você morasse agora. Batizei seu relicário e fingi começarmos uma nossa história. Dobrei tudo, nas prateleiras, como se você fosse usar algum dia. Lá estavam as peças mais antigas justamente aquelas que eu implorava você jogasse fora, de tão gastas e encardidas. Aproximei do meu rosto com afago o colete cinza e pude sentir seu corpo roçar na lã amarelada. Fechei os olhos por algum instante e revivi plenamente aquele encontro breve e tão distante, mas eternizado em poesia nas cartas de amor que a ele sucederam. Seu cheiro era vivo em cada fiapo evelhecido daquele tão ínfimo tecido que eu queria pudesse cobrir-me todo o corpo. Subitamente rasguei aquela veste, em prece de desespero. Por que, Deus, tirastes ele daqui? Por quê? Chorei ao recolher do chão aquela sua anatomia. Hesitei por um momento sobre o juízo daquela minha rebeldia. Ao sentir escorrerem sonhos e planos pelos meus olhos entristecidos, conclui poder sentir o peso da revolta. Eu, naquele momento, era a pessoa com mais direito de sofrer a sua toda vida, inexplicavelmente morta. Não havia condolências. Não havia meias verdades. O tempo não apagaria esta vã fatalidade. Eu não mais o tocaria.
terça-feira, 9 de agosto de 2011
Canção Irrepetível
Não há travesseiro em que eu me deite em paz. Nenhuma cama me suporta mais. É muita dor para se ter sono. O peso que carrego é muito para nossos poucos anos, que são pouco para tantos desenganos, é apenas doloroso. Mas ao pensar em você, sinto um temporário apego, a esperança de um futuro, de um romance repetível. Vejo abertas possibilidades que logo morrem na tinta seca das cartas, que expõem um sentimento que não vige mais. É impossível achar algo de bom naquelas letras mortas que não fazem mais sentido, que não têm m ais seu contexto. Fecharam-se as portas para um pretenso recomeço. Bate-me a sanidade do fim tantas vezes reprisado. São tantas cenas diferentes de um mesma dor que eu não consigo enxergar onde havia este amor que nos fez começar. Foram tantos erros e remendos que qualquer puxão estoura o pouco que ainda resta. Não tenho vontade de seguir adiante, quando lembro que o nosso distante não pode ser percorrido no meu carro novo. Saber quem e não saber como é demais para alguém como eu, que não se permite ficar de mãos atadas. Cri que era possível você se dar conta de que este amor que me fez tão pronta era capaz de também fazê-lo. E se não fosse? Não era. É duradouro e indiscutível não haver nada, deste outro lado. O disco de faixa riscada, de íntegra irrepetível, deixa apenas a memória de um refrão isolado. "E se ele não te ama? E se ele apenas não te ama mais?"
terça-feira, 2 de agosto de 2011
Aprendizagem
Entrou. Pediu-lhe um pouco de espaço. Conseguido, escapou do seu laço, sem que ele pudesse sequer perceber. Foi embora, sem qualquer embaraço de não querer mais o ver. E ele ali a chorar cada minuto do não ter dito, sem entender o veredicto, relendo mil vezes o adeus escrito, balbuciava possibilidades soltas. Eu lhe lancei a única verdade, bem assim a queima roupa: "meu caro, é porque fostes à bancarrota". Não adiantava envergonhar-se da própria incipiência, convencer-se de uma descência que ela não tinha. Era vadia e como tal trocava o falso prazer pelo dinheiro, que lhe fazia aflorar o único sentimento verdadeiro que por ele nutria: ganância. Convencia-se ele, todavia, na sua arrogância vazia que ela o queria. Deixe crer. Eu sei, contudo, que foi seu vintém que fez o seu desdém e repúdio transmutar-se em amor. E agora que não havia mais nenhum trocado ela deixou um breve recado de um findo amor. Não se morre dele, mas se vive, já dizia o grande ourives que Machado lembrou. E ela escreveu em um papel improvisado um trecho de um verso roubado de um livro qualquer daquela enorme bancada. Ele lia e relia em feição amargurada aquela triste entoada de final de oração. Cada palavra foi escrita sem grande entusiasmo, o que explica o pleonasmo que a safada nem fez atenção: "Amei o amor, mas findou. PS: As jóias ainda estão no Banco?". Ela era analfabeta e, ao menos a sentença saiu correta, o resto ele fingiu estar em branco. Mas mesmo o epilogo era de frase feita, ela seguiu a receita de um contexto de real amor. Ali, não havia nenhum sentido, mas ele procurava um bramido, ou ao menos, algum sussurro de dor. Talvez um sinal miúdo de arrependimento, que fizesse o seu sofrimento contrair em copas. Foi relendo aquele pequeno remendo que não encontrou nenhum sentimento que não o apego às notas, e, finalmente, pode enchengar a importância que lhe tinha o penhor. Por quê? Para que pedir licença, se sabia do desafortunado destino? Se seria curta sua presença, não lhe deixasse qualquer remanescência deste desatino. Levasse jóias, moeda, seus bens. Com estas memórias, a queda é a única coisa que ele mantém. Foi por vingança que ela deixou tudo que ainda havia lá. Foi a lembrança que ela o fez ter de encarar. Doeu. Enquanto a voz ainda o nome dela chama, ele sossega sua gana com o dom da enganação. Todo mundo aprende com a decepção.
Gosto da Dor: Amargo?
Dói acordar pela manhã e não ter vontade de sair da cama, porque o mundo lá fora não sabe receber você da forma como VOCÊ recebe o mundo lá fora. Será que devemos ser gananciosos, mesquinhas, trapaceiros? Se são esses que se dão bem, tudo o que me ensinaram só me faz ser sensível (dolorosamente sensível), a ponto de conseguir perceber a pior conquista da maturidade: não importa quão bem você faça aos outros, quanto sorri para as pessoas, ou a qualidade do respeito que coloca em suas relações, vai sempre existir alguém para ferrar você, olhá-lo com cara feia e achar que pode mal tratar o bom trato que você apenas tenta dar à sua vida. E no saldo de tudo, você se pergunta: vale a pena? Hoje, sinceramente, não sei dizer. Fato é que não consigo ser diferente e seria hipocrisia dizer que não gostaria. Esta coisa de deitar no travesseiro tranquila é desculpa cármica. O poder dormir não é o suficiente ao grande esforço que é manter a lisura do meu caráter, diante de tantas demonstrações de que ele não vale nada além de uma boa noite de sono. E para ser sincera, sequer durmo bem. A insônia é um mal, creio eu, dos bons de alma, que ainda refletem, após findo um longo dia, se acertaram, onde podiam ter sido melhores, o que esperavam-lhe que fizesse. Os escrotos dormem bem, obrigada, sem qualquer juízo moral sobre suas condutas. Então sequer bons sonhos posso dizer que me retribuem... E, neste ponto, provavelmente, é tímido, porém existente o pensamento de se tratar de um eu-dramático arrogante. Mas será que é pedir muito haver correspondência entre o quanto se dá e o tanto que se recebe? Será que é condenável saber-me alguém de bem? Depois, de um pouco viver, acho necessário saber quem sou, sob pena de me pisarem, sem eu conseguir ouvir meus próprios gemidos. Ora, não estou pleiteando o reconhecimento da minhas generosidade diante das enormes e infindáveis dificuldades da vida, o que talvez (apenas talvez) não seria nobre e seria melancolia hiperbólica; estou querendo reciprocidade, isto é, a exata parcela do meu amor próprio. Desculpem-me os que acham que não se deve fazer nada, esperando receber. Esta máxima só faz sentido aos que receberam algum retorno, porque, senão, não teriam formulado tal tolice. Com a dúvida, que ora partilho, teriam redrudescido, a ponto de não conseguirem sequer sussurrar esta estúpida mola da humildade ignorante. Não quero aplausos, quero apenas a tentativa, apenas a tentativa, do "ser bom". Hoje, as pessoas machucam pelo gosto da dor, que, para mim, é ainda bem amargo, mas para tantos outros está virando o mais doce sabor da vida.
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