Eternizei esse amor na minha sobrevida. Calei em mim os mais dolorosos gemidos para que não sofressem com o uivo do meu lamento. Refleti na cara manchada pelo tempo desfeito um sorriso pálido de saudade, igualmente parecido com um ar curioso, para fazer-lhes crer ser ânsia de dias vindouros. Travesti minhas lágrimas em emoção da lembrança, para que não percebessem que era tristeza mesmo. Chorei escondida no meu universo um pranto interior. Falei para mim que resistiria por vocês, mas está difícil, cada dia mais difícil. Resta-me orar, para que eu consiga abstrair da concretude o desespero abstrato, mas real, que se me faz morrer todo dia, não gostaria que os fizesse. Pois se velo o meu corpo, mato para sempre a única fidedigna expressão de vocês aqui.
Desembaraço
Finalmente, tive coragem. Publiquei meus textos. Todos aqueles por anos calados no meu HD saltitaram pelo www, para poderem ser criticados e ridicularizados. Haviam sido lidos por amigos da mais alta intimidade que talvez silenciaram um riso de desdêm. Agora estão aí jogados às piranhas, para o apetite coletivo. Não temo mais o embaraço...
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
domingo, 2 de dezembro de 2012
Vilã
Quanto tempo sem sentir esse submundo de nós mesmos. Dias e dias vividos sem conhecimento dessa possibilidade. Lembrança talvez melhor se ajustasse. Distante do vasculhar do âmago, não percebemos os vícios criados, os erros passados, os traumas. Desenvolvemos paradigmas absolutos e não nos colocamos mais diante de algumas situações em que ousávamos mergulhar. E a justificativa para isso é nada além de medo. Nada. Nem sinal de novos tempos. Cada novidade mal vista em nossos módulos sociais é meticulosamente afastada. Mas deixei a paixão tirar a razão e chorei. Chorei muito só que sem alarde. Fingi para mim estar no auge do meu conformismo, quando lá dentro a mistura de tudo me afligia com tal intensidade que eu tinha medo de continuar. Queria ele, mas temia aquilo. Fui covarde. Estou sendo agora, porque não tenho forças para viver isso. Despeço-me com a mesma coincidência do encontro no desencontro. Amar é preciso, mas sofrer não.
quarta-feira, 28 de novembro de 2012
Diário de um paulistano
Entraram no meu carro. Pegaram tudo. Objetos de pouca valia e algumas futilidades mundanas. Mas furtaram algo que não tinha preço. Levaram minha dignidade junto com as mesquinharias baratas. Mal sabem o preço dessa mercadoria. Surrupiam-na sem conseguir aferir o valor do ganho. E pior: o valor da perda, que eu, todavia, sinto no bolso da vida. Exagero? Exagero é não se importar mais. É passar por ali e acolá e achar tudo normal. Mendigos a revirar as latas de lixos, em busca de restos. Bichos. Somos bichos, sem qualquer dor de consciência. Cidade paulistana, como podes ser tão cruel com teus cidadãos? Os que furtam e os que são furtados? Os que comem e os que são devorados?
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
Tropeço
Não vou mentir. Hoje, minha alma é lágrimas. Minha voz é contida. Meu grito, sussurrado. Não cuidei de manter tudo de bom em mim e fui no fluxo do mundo de maldades, chicanas, desconfianças. Senti o turbilhão de más energias me puxar essa semana e eu não soube segurar minha essência límpida. As consequências sempre são maiores do que o tempo presente e é triste saber que, por mais que se perdoe, por mais que se retome, cicatrizes marcam a vida daqueles que machuquei ou perante os quais não emanei meus melhores reflexos. Que a próxima semana seja melhor. e que eu não me perca nos problemas do mundo, nas provações de todo dia...
quinta-feira, 30 de agosto de 2012
Modernidade
Vivemos a crise da super socialidade. Não estamos mais só. Nunca. Não paramos de interagir. E deixamos de intragir. Subíamos elevadores refletindo sobre qualquer coisa que seja. Hoje percorremos esse ínfimo caminho, teclando, postando ou apenas olhando para esse novo aparato. Numa mesa de bar, parte das risadas são compartilhadas instantaneamente com o resto do mundo, enquanto poderiam caber no apenas serem sentidas. Parece que para que bastem ao sujeito que ri, é preciso disseminação. As pessoas não estão mais conectadas com o mundo a sua volta, por mais contraditório que isso pareça ser. Não vivemos nem lá nem cá e a simplicidade dos bons momentos esvairem-se na mutabilidade do dividir. Nenhum instante fica conosco. Tão-só conosco. Tenho medo da hipertrofia cerebral desse fluxo irreversível. Cagar que era uma coisa solitaria. Nem isso mas eu faço só. Só nos resta o banho, enquanto nao forem a prova d'agua essas malditas caixas de pandora. Sempre me disseram que a água era a salvação do mundo!
sábado, 4 de agosto de 2012
Diário de todo dia
Todos os dias somos massacrados pelo desamor. Como nunca, estamos sendo maltratados. Repriso: o mundo está virado do avesso e, tristemente, isso não é mais uma apologia, um conservadorismo coxo. Assisto o mais completo desrespeito à dignidade alheia, sem qualquer dor de consciência. Isso me é incompreensível. Mais: causa-me uma dor de dignidade tremenda. Justamente por essa razão, não mais consigo sequer conviver com pessoas que ignoram esse contexto e falam de amenidades. São essas já fruto desse desamor todo... Apego-me então e, cada vez mais, a poucos amigos, para os quais esse caos é evidente. São eles resultado de uma criação estruturada em três pilares fundamentais: fé, amor e cultura. Para alguns coincidentemente, para mim, obviamente, vivem eles a mesma crise existencial que me assola.
sábado, 16 de junho de 2012
Eu, minha Cura
E lá vou eu, refugiar-me em mim.
Mais uma vez. Nessas horas do mais novo sopetão na cara da idiota
possibilidade. Trôpego, esse romantismo
barato, mais uma vez cambaleia. Dessa vez cai? É o que todos observam com
atenção. Nós queremos que não caia (é nossa consciência sonhadora pedindo
ratificação), mas reconhecemos que é plausível e justificável a queda, diante
do pé manco por outros tropeços. Que raiva de me permitir. O Lúdico é o que deve bastar, sob pena de machucar-se duramente. Poupe-se da queda de 20 andares: não é preciso para o
pensamento em voar. Agora se se quer muito sentir o clímax da vontade, que é justamente o momento de sua conversão em verdade, anua com a dor, que também será auge. É imbecil pensar que mais uma vez me deixei levar por essas baboseiras
poéticas. Como mulher que apanha, apanha, e não denuncia. Como Jesus com Mil
Faces. “Já” adultos, igualmente, arranjamos nossas fugas, só são elas mais
severas e degradantes. Vez que correr para o meio da cama dos “pais” já não me
era mais possível, há muito, eu rumava para meu inferninho pessoal. É meu jeito
de me recarregar contra o mundo lá fora que é cruel e não permite que se sonhe por muito tempo. Mundo muito cruel. Persisto, percebendo que me encontrar
comigo na Augusta algumas sextas-feiras e me chamar para um role pode ser
divertido. Virei uma amiga que aceita meus quaisquer convites, já que não havias
reais muitas que o fizessem. A diversão delas era outra. Eu me sugo em momentos simples que nem cócegas fazem às suas necessidades. Pelo menos isso. Ter sacado já algumas coisas, não me faz melhor que ninguém, Pelo contrário. Mais me pego eu nesses dilemas entre o ideal e o real. Algo trivial, na minha vida. De todo modo, eu preciso de pouco para sorrir. Exaltemos esse ínfimo mérito, já que ele me custa tão caro. Preferia, às vezes, afundar-me nessas credinces de que a felicidade está aí no futuro (posto que incerto e passível de quimeras) ou nas aquisições, que passam a ser descontroladas. Infelizmente, não me basta. Momentos é que são caros para mim. Gasto minha grana inteira com pessoas e muitas vezes com esta pessoa que vos fala, tão-somente. É a dose
certa de mim com a qual me faço deparar todas as noites no Astronete às
sextas-feiras aos sons de rocks clássicos e blues - que poucos sabem me fazem
mais feliz que balão de peixinho no parque – para me recompor. Virou uma necessidade. Violo-me com a podridão do homem, dia após dia e, ao fim da semana, preciso desse aconchego em mim, para não matar a esperança de amar, para não sucumbir o altruísmo. De onde eu vim, algumas
coisas rotineiramente observadas com pacificidade simplesmente não eram possíveis e outras, hoje
constantemente atropeladas, nem sequer passavam pela cabeça como dispensáveis. É
respeito, responsabilidade com quem está à sua volta. É fé. Conceitos contra os quais se jogam pedras todos os dias, da porta da minha casa para fora. Diante do risco de inverter meus conceitos, de começar a achar o errado certo, por repetição, acaricio meus princípios, que, felizmente, ainda pedem socorro. Acolho-os, depois das pedras jogadas, faço curativos e dou-lhes apoio moral, para que continuem a sua jornada. Às vezes, contudo, devo assumir que deixo passar algumas pedras que eu poderia alcançar. Em outros momentos, consigo sacar que lancei uma pedra, por vontade própria. Quantas outras vezes não percebo os erros? Havia muito o que aprender.
Fui grossa com aquela mulher e, no mesmo instante em que ela me lançou olhar denunciando meu descaso com minhas raízes, luzes se acenderam. Era a mão boba, já adaptada a esse mundo... Eu, de verdade, sequer percebera (o que não é menos culpa; é sucumbir). Pedi desculpas, mas senti ser pior. Fiquei intimidada, envergonhada mesmo. Apesar de eu não ser escrota, a falta de atenção com as necessidades alheias me deu asco. “Desculpa, não foi minha atenção” não foi bastante. Toquei-a almejando tivesse uma grande felicidade naquele dia. Senti-me protelando-me, enganando-me, tirando o meu da reta, ao levar para o mundo a necessidade de curar o seu ego que eu (e naquele momento apenas eu) ferira. Eu já estava machadiana, pois o mero pensar dar os cinquenta reais que tinha àquela mulher (que às duas da manhã vendia comida em uma balada de playboy) me pareceu exagero. Não querer o troco me pareceu uma saída menos louca. Saída bem Brás Cubas, diga-se de passagem. O ser humano é podre mesmo e eu não era diferente. Dando-me o maior tabefe no rosto, ela recusou, como se pensasse "não me compre". Golpe de mestre. Senti-me péssima. Insisti muito até que ela aceitou não com a gratidão que eu queria ver em seu rosto (estava fazendo aquilo por ela ou por mim?), mas com um "acabemos com essa encheção; se isso fará bem para o seu ego, sua patricinha de merda..." Não era o meu caso, mas ela tinha o direito e fazia sentido que assim pensasse. Pedi para a menina que também utilizava de seus serviços pagar-lhe um real a mais, pois tinha-a visto comentar que faltava dinheiro. A menina aceitou naquele mais ou menos. Não sei se faria, mas pedi que fizesse e repassasse aos demais. E a corrente do bem passou? Não sei... Esses alternativos de merda não chamam para si, em pequenos sinais, as grandes necessidades; "conscientizam-se", contudo, ao achar o máximo campanhas pelo bem social, pela arte do bem. Pergunta se levantam os seus rabos para irem fazer alguma coisa. Eu levanto o meu? Ali também tratei de consertar o meu erro, sem me desvencilhar daqueles malditos cinquenta reais, ato que, em caridade, pensei sem me mexer e que agora, depois de reflexão mundana, machuca-me o ego. Sou tão podre quanto os outros, pois me mantive imóvel, pensando que a minha ação não era nada. Joguei para o mundo uma parte, com a satisfação de que eu não devia fazer tudo. É difícil essa ideia de Jesus, tanto que você leitor deve ter pensado: "meu, era 50 reais, ela agiu certo..." 50 reais é um troco de pinga em muitos dias de balada, mas poderia lhe significar-lhe sucesso em um dia... Não sou rica, mas gastei, por tantas vezes, 50 reais para ENTRAR em uma danceteria. Agora a necessidade de ter-lhe dado aquele dinheiro era para minha felicidade pessoal ou pela dela?
Um pouco mais cedo, a menina desmaiada. Todos vendo, sem nem olhá-la nos olhos. Saí correndo atrás de ajuda: "oi, tem uma meninas ali, caída" contra "Ah, não é comigo" que ouvi em progressão geométrica. Apenas uma hora depois e quase uma vida a menos, alguém se toca, sensibiliza-se e vai até o local oferecer ajuda. Isso sem falar naqueles que foram ao local onde ela estava caída, olharam-na por obrigação moral, acharam que era encheção de mais para estragar as suas festas e voltaram para seus "altares" de ídolo único, que certamente não era Deus. No óbito, abraçam o defunto, dizendo querem tê-lo ajudado, em vida. Porra! Isso não é normal, alguém mais vê? Busquei ajuda e fui embora, crendo mais uma vez que ao mundo incumbia parte do seu socorro, que eu já fizera a minha parte. Mas se sei eu que o mundo é escroto, deixar com ele o destino daquela menina é menos culpa?
Mais tarde, findaram meu dia sugando o pouco que tinha da minha crendice em uma vida de amor. Sem dó nem piedade, brincaram não com meus sentimentos (que ainda era cedo para existirem), mas com minha fé. Isso é muito pior... Jogaram um balde de mundanices nas minhas esperanças em ligações de alma, algo muito mais complexo que se interessar por alguém. Um balde não era capaz de me fazer tremer se eu já não tivesse vindo de uma sequencia de banhos frios. Eu já estava amassada por outras chacinas. Será que temos de esperar o não dá mais dos outros? Chega desse assunto; já me reabasteci e não vou perder isso com pensamentos maus...
Por essas e outras, naquele momento, eu precisava de energia. Não queria permitir me contaminar com a tristeza de assistir o descaso em primeira fila do espetáculo. Eu busquei no Astronete encher-me de paz. Virou meu mantra. Virou minha missa. Era uma apelo ao lado bom de mim que eu não queria que morresse. Era o retirar os apedrejados da multidão. Era dizer coisas boas para mim, diante dos lamentos sabidamente difíceis de refutar. Colo... Calibrei meus pneus, dançando comigo, curtindo do meu eu. Isso me recompõem de falta de amor do mundo, a falta de amor para mim. Dei-me colo. Mais uma vez. Alguém deveria fazê-lo...
Fui grossa com aquela mulher e, no mesmo instante em que ela me lançou olhar denunciando meu descaso com minhas raízes, luzes se acenderam. Era a mão boba, já adaptada a esse mundo... Eu, de verdade, sequer percebera (o que não é menos culpa; é sucumbir). Pedi desculpas, mas senti ser pior. Fiquei intimidada, envergonhada mesmo. Apesar de eu não ser escrota, a falta de atenção com as necessidades alheias me deu asco. “Desculpa, não foi minha atenção” não foi bastante. Toquei-a almejando tivesse uma grande felicidade naquele dia. Senti-me protelando-me, enganando-me, tirando o meu da reta, ao levar para o mundo a necessidade de curar o seu ego que eu (e naquele momento apenas eu) ferira. Eu já estava machadiana, pois o mero pensar dar os cinquenta reais que tinha àquela mulher (que às duas da manhã vendia comida em uma balada de playboy) me pareceu exagero. Não querer o troco me pareceu uma saída menos louca. Saída bem Brás Cubas, diga-se de passagem. O ser humano é podre mesmo e eu não era diferente. Dando-me o maior tabefe no rosto, ela recusou, como se pensasse "não me compre". Golpe de mestre. Senti-me péssima. Insisti muito até que ela aceitou não com a gratidão que eu queria ver em seu rosto (estava fazendo aquilo por ela ou por mim?), mas com um "acabemos com essa encheção; se isso fará bem para o seu ego, sua patricinha de merda..." Não era o meu caso, mas ela tinha o direito e fazia sentido que assim pensasse. Pedi para a menina que também utilizava de seus serviços pagar-lhe um real a mais, pois tinha-a visto comentar que faltava dinheiro. A menina aceitou naquele mais ou menos. Não sei se faria, mas pedi que fizesse e repassasse aos demais. E a corrente do bem passou? Não sei... Esses alternativos de merda não chamam para si, em pequenos sinais, as grandes necessidades; "conscientizam-se", contudo, ao achar o máximo campanhas pelo bem social, pela arte do bem. Pergunta se levantam os seus rabos para irem fazer alguma coisa. Eu levanto o meu? Ali também tratei de consertar o meu erro, sem me desvencilhar daqueles malditos cinquenta reais, ato que, em caridade, pensei sem me mexer e que agora, depois de reflexão mundana, machuca-me o ego. Sou tão podre quanto os outros, pois me mantive imóvel, pensando que a minha ação não era nada. Joguei para o mundo uma parte, com a satisfação de que eu não devia fazer tudo. É difícil essa ideia de Jesus, tanto que você leitor deve ter pensado: "meu, era 50 reais, ela agiu certo..." 50 reais é um troco de pinga em muitos dias de balada, mas poderia lhe significar-lhe sucesso em um dia... Não sou rica, mas gastei, por tantas vezes, 50 reais para ENTRAR em uma danceteria. Agora a necessidade de ter-lhe dado aquele dinheiro era para minha felicidade pessoal ou pela dela?
Um pouco mais cedo, a menina desmaiada. Todos vendo, sem nem olhá-la nos olhos. Saí correndo atrás de ajuda: "oi, tem uma meninas ali, caída" contra "Ah, não é comigo" que ouvi em progressão geométrica. Apenas uma hora depois e quase uma vida a menos, alguém se toca, sensibiliza-se e vai até o local oferecer ajuda. Isso sem falar naqueles que foram ao local onde ela estava caída, olharam-na por obrigação moral, acharam que era encheção de mais para estragar as suas festas e voltaram para seus "altares" de ídolo único, que certamente não era Deus. No óbito, abraçam o defunto, dizendo querem tê-lo ajudado, em vida. Porra! Isso não é normal, alguém mais vê? Busquei ajuda e fui embora, crendo mais uma vez que ao mundo incumbia parte do seu socorro, que eu já fizera a minha parte. Mas se sei eu que o mundo é escroto, deixar com ele o destino daquela menina é menos culpa?
Mais tarde, findaram meu dia sugando o pouco que tinha da minha crendice em uma vida de amor. Sem dó nem piedade, brincaram não com meus sentimentos (que ainda era cedo para existirem), mas com minha fé. Isso é muito pior... Jogaram um balde de mundanices nas minhas esperanças em ligações de alma, algo muito mais complexo que se interessar por alguém. Um balde não era capaz de me fazer tremer se eu já não tivesse vindo de uma sequencia de banhos frios. Eu já estava amassada por outras chacinas. Será que temos de esperar o não dá mais dos outros? Chega desse assunto; já me reabasteci e não vou perder isso com pensamentos maus...
Por essas e outras, naquele momento, eu precisava de energia. Não queria permitir me contaminar com a tristeza de assistir o descaso em primeira fila do espetáculo. Eu busquei no Astronete encher-me de paz. Virou meu mantra. Virou minha missa. Era uma apelo ao lado bom de mim que eu não queria que morresse. Era o retirar os apedrejados da multidão. Era dizer coisas boas para mim, diante dos lamentos sabidamente difíceis de refutar. Colo... Calibrei meus pneus, dançando comigo, curtindo do meu eu. Isso me recompõem de falta de amor do mundo, a falta de amor para mim. Dei-me colo. Mais uma vez. Alguém deveria fazê-lo...
sábado, 21 de abril de 2012
A chegada
Elas tinham em parte razão. A vida havia me deixado muito dura. Mas neste exato momento acaba de ter mudado a minha mania de defeitar as pessoas. Por isso, de alguma forma, sinto que essa é uma carta explicação. Não carta tipo de defunto, antes do suicídio, mas uma carta de vida, o oposto, portanto, e que se inicia agora. Não posso, antes deixar de fazer uma breve consideração. O fato de eu ter sentido a necessidade de fazer a ressalva de que não era um adeus. Parece medo de que o leitor pense que a constatação do defunto em primeiro e em relação a um suicídio era exatamente esse meu elemento mórbido que faria esse testo um ato falho. De outro modo, metalinguisticamente falando, eu não teria alcançado, de plano, a evolução que pretendia: querendo mostrar não ser pessimista, começo o mesmo falando de morte? Ora! Bradariam e desistiriam de ler. Prossigam, contudo, por favor. Garanto que estão equivocadas, pois esse começo não é a exteriorização de um escondido psíquico, mas sim intencionada graça que pretendia conferir ao texto. A dúvida. A ironia. O inusitado, adjetivo que não tem a toa o "O" que o antecede, ao invés do "A". O inusitado é a quebra. Convenci que é a graça do começo da narrativa? Como saberão que eu mesma na verdade não estou tentando me convencer disso, sem notar que todo esse introito é somente e efetivamente a imperceptível (a mim) noção de meus carmas freudianos? Como um paciente que, defronte do analista, diz suas cicatrizes sem perceber que as fala por detrás de cada história. Como se a frustração que o levou a sentar no divã revelador despontasse só para fora, mas de cada excerto, de cada letra de suas histórias. A palavra sai do seu corpo para o analista que a conclui e extrai de cada falha no seu discurso, de cada epifania sua, que entendeu por bem contar aquilo naquele exato momento, mas não saberia dizer por que. Freud explica e o analista sabe. Seria essa digressão de metalinguagem a demonstração de que nada mudou, na verdade, ainda que se ache isso? Creio, dessa vez, definitivamente que não, mas, como sou eu quem vou digo e vocês olham de fora, precisarão ler para saber e avaliar. De fato, quem vive e quem narra são pessoas distintas e quem narra gosta das gramatiquices. Paradoxalmente pelo jogo de palavras pode botar em choque a ideia que veicula com elas. Divagações de nerds. Fato é que este é o exato momento de transição e essa referência, ainda que difícil de acreditar, não é a permanência desse traço, mas a metalinguagem, minha arte e a veste do personagem que escreve. O eu-lírico mudou, o narrador é que permanece o mesmo, por ofício. Seria outra macara? Creio (e não "estou certa"ou estou ciente" o que já é um sinal de mudança) que aqui é real. Explico-me acerca da transformação do ser poético. No meio da conversa, uma delas diz: "Ah Dri, mas você só enxerga e ressalta o lado ruim das pessoas". A conversa parou para mim em epifania e dando regresso à frase já finda e abafada, perguntei: "Você acha?" A minha outra amiga, sabendo um pouco mais da minha sensibilidade amansada pelo contexto da minha vida preparada contra o entrar de cabeça, prossegue com o próximo tópico. Eu insisto com Ana, ignorando minha velha amiga: "Você acha?" Ana responde subitamente que sim e olha, na sequencia, para Júlia, verificando sua ação e demonstrando em olhar suas razões. Como se, naquele momento tivessem discutido mentalmente um contrato, assinado e felicitando-se um a outra pela sensação de necessidade e missão necessária cumprida. Elas haviam percebido que eu nunca tinha sequer notado aquilo em mim. Achei por um momento que elas esperassem que eu tivessem visto, mas acabaram ali, notando que talvez não me era tão possível. Percebi que amar de verdade como se amavam é evolução. Felizmente, naquele momento elas concordam em mente inteligida que talvez fosse adequado falar e o fizeram. Eu, habituada com meu eu que estava se desprendendo de mim e se despedindo, tentei ainda cavar o auxílio da minha amiga de mais longa data, com uma frase de efeito. Como se tirasse a razão de Ana pelo desconhecimento, que é sempre um aliado do "é que eu não sabia desse ponto", embalei um "eu sempre fui assim", olhando em espera de confirmação para minha antiga amiga, como se cavasse. Sabia no meu âmago, contudo, que a minha amiga mais recente era paradoxalmente tão conhecedora de mim como minha antiga minha. São esses em laços familiares cármicos que não se explica... A famosa de Vinícius de que amigos não se conhece, mas se reconhece. Voltando, Machado! Sabendo que o "eu sempre fui assim"menos que definir um algo como mancha de nascença indissociável e inexplicável, justificativa justamente uma motivação para manutenção dos meus erros e mostrava um certo comodismo da minha parte, Júlia, em missão de fiel pagadora de seus tratados, minha amiga Júlia surpreendeu-me não ao trocar o “é verdade” esperado pelo “Já está na hora de evoluir, então”. Com conhecimento de causa para reafirmar a verdade daquele ciclo com um "é verdade", isto é, podendo fazer uma análise comparativa do presente e passado que Ana, conforme sabidamente captado pelo meu lado podre de mim, não poderia fazer, Júlia podia dar cabo àquela discussão, dando-me razão. Não o fez, felizmente e tudo aquilo se inseriu em uma cadeia de necessidades e coincidências divinas (elas não poderiam ter planejado antecipadamente esse acerto quanto ao ensinamento que eu acabara de ter. Ela não precisamente falou "é mentira", mas causou-me o mesmo embaraço do que uma negativa de argumentos apresentados. Ana olha para ela como se a pedisse um pouco de calma e poda-se-lhe o exagero da notícia dura sem um pouco de psicologia. Não era o 8 da omissão e nem o 80 do soco, deveria ser um tapa de leve. O primeiro, da Ana havia sido sem querer, mas se fez necessário, concordaram, portanto ambas em revelá-lo, o segundo veio na guela abaixo. Júlia que era mais racional, mas também mais impulsiva (é possível ser racional e impulsiva, simultaneamente ou é contraditório?). Fique claro não tinham tom de crítica; somente me aceitavam assim (coisa que eu devia fazer com as pessoas), sabendo da existência desse meu defeito, e esquecendo dele, porque havia outras coisas. Eu não só queria que assim fosse, eu sabia que era assim. Talvez também tenha percebido que me preocupo demais com os outros, coisas que também vi ter sido um comentário passado, nos olhares e também epifanei, razão pela qual também está após a frase “eu não queria que assim fosse, eu sabia”, como se precisasse mostrar ao leitor que soubesse. Eram dois defeitos, mas o primeiro foi necessário, o segundo só acabou vindo junto. Não percamos o foco com a abertura da caixa de Pandora. Voltemos ao pensamento acerca do meu pessimismo, cuja lembrança pode justamente dizer razão ao meu pessimismo, mas não aqui, haja vista não estarmos a falar do meu momento negro anterior que eu acabara de perceber, mas sim diante do exato momento de minha epifania. Aliás, conjugando os fatores do pensamento estrito delas... (i) “quando eu encanava acerca do defeito de uma pessoa eu me impedia de ver o lado bom dela, justamente porque eu passava a dar tamanha importância ao defeito que me bloqueava qualidades que talvez fariam muito do(S) defeito(s) um mero detalhe aceitável” (ii) “isso era um defeito” (iii) “defeitos devem ser mudados”, ...eu tinha toda razão esclarecida oposta à minha razão ignorante para não atentar para um defeito (passei justamente a dar tanta importância para a contrariu sensu minhas qualidades que me impedira ver esse defeito matriz. Me senti no matrix. Ninguém iria me entender. Fato é que no meu caso não aplicar pela primeira vez a minha descoberta em face de minha mesma era o único jeito de aplicá-la. Colocaram assim nos meus olhos a lente necessária a perceber algo que viam a olho nu. O observador que não se mistura com o ente observador, vê com o objetividade o corpo exposto ao seu crivo. Percebi que Clarice também desenvolvia as mesmas pira que eu nesse estado que só quem o vive nesse exato momento o entende. É nesse exato momento que recomendo-os a ler: Chapado. Caso contrário, não entenderia. Percebi que Clarice era uma chapada e desculpe-me seus familiares, caso não possam entender que considero isso um elogio. Percebi, na esteira de todos os pensamentos que vinham me reabrindo para o amor: eu estava errando. Na verdade, essa perecia uma das últimas conquistas para que eu pudesse recomeçar a amar: relevar os defeitos era o primeiro grande passo para, de fato, permitir o amor. Sentia que estava chegando aquele momento. Eu me apaixonaria novamente e em breve. Deus colocasse em meu caminho, aquela pessoa que amo sem nem conhecer ainda... Eu sabia que estava vindo. Estava chegando a alma gêmea.
terça-feira, 17 de abril de 2012
Óbito (?) de um Ente Próximo
Atiraram contra ele.
Vários tiros e sucessivos.
Há chances? Restam-lhe chances?
Acudam-no.
Ainda dá tempo?
Boca a Boca...
...Não salva
Sem continuidade será somente primeiros socorros.
É preciso mais.
Choques...
... Certamente serão muitos e de todos os tipos.
É preciso achar a frequência correta.
Calibragem constante.
É o que se faz?
A mente permanece conosco?
Não sei, há momentos em que simplesmente não sabemos.
Está morrendo, está morrendo.
É necessário doação e digo mais:
Todos os órgãos deverão ser doados.
Sem isso, a sobrevida é pouca.
O coração será dividido ao meio e deslocado.
Será possível viver mesmo assim?
Alguns não conseguem.
Quase ninguém mais se propõe a esse transplante.
Pode ser dolorido. Pode ser bem dolorido.
Corta, sangra, às vezes não cicatriza.
Nunca.
É cirurgia sem volta.
E pior: nem sempre para ambas as partes.
Talvez uma carregue a metade do outro para sempre.
Talvez não cuide do quanto recebido.
Talvez não saiba sequer que foi doado.
Talvez...
De fato, não há garantia de sucesso.
Tampouco certeza de retorno.
A ciência não explica nada
E se algo fala, não nos é suficiente
É preciso estar diante desse acidente
Suicídio socialmente consentido
De outro modo, não é possível entendê-lo
Quer-se que salve? Quer-se mesmo que salve?
Ainda clamam que sim...
É preciso salvar o Amor!
/\/\/\/\/\/\_________________________________________________________________/\
domingo, 8 de abril de 2012
A minha Páscoa
Fez sentido. Durante anos da minha vida, cuidaram da minha espiritualidade. Minha avó, de generosidade e amor que dispensam comentários, mantinha perto de mim as boas energias. Minha vida ia sempre em progresso e eu arrogava apenas ao meu suor os méritos obtidos. Não era só isso e talvez fosse esse a parcela menos significativa. Eu tinha equilíbrio para me dedicar e essa é a parcela que importa nessa existência, vez que condiciona a nossa capacidade de seguir adiante com a serenidade necessária a enfrentar os percalços da vida. Em desespero, toda dedicação do mundo é em vão. E o equilíbrio vem de algo transcendental: é a dedicação da alma e não da matéria, o que foi garantido a mim por ELA, com o seu orar em bem alheio e com os seus ensinamentos sobre a bondade, o altruísmo e a necessidade de agradecer. Em meio às minhas vontades, esqueci do lugar onde me coloco e por quê. Deixei de lado o fato de que tenho um fim em mim mesma, não para mim, mas para o todo. Os amigos dessa vida, a família dessa vida, a profissão, os desafetos e os amores não são coincidência. Minha vó se foi e tenho certeza que de onde está ela se mantém em oração constante para que eu me ache. Mas fato é que o campo aberto entre mim e ela foi fechado pela minha mundanice, ao menos até agora, porque nós, seres do palpável, fazemos isso quando nos deparamos com a morte. Fechamos o caixão. Entendemo-na como fim... Não é e só sabemos disso, quando (1) oramos forte; (2) sentimos as vibrações de amor dos nossos ascendentes, descendentes e amigos que delas cuidam; (3) conseguimos destrinchá-las. Ora, não é uma energia amorfa; tem cara e identidade em suas frações. Sinto a parcela de cada um, como se vivenciasse o sentimento de retomada, de associação daquela emoção com o seu ponto de origem. É como reencontrar um amigo na rua e reconhecê-lo, recordar quais as histórias que partilharam, saber que aquele sensação só ele traz a você. É minha vez de manter em meu entorno essa luz, com amor e perseverança. E eu, sem ela, aqui lutando não via como não mais conseguia algumas coisas, não obstante me esforçasse. Repito: nem toda dedicação do mundo é capaz de elevar um ser desequilibrado; é preciso dedicação de fora desse mundo, mas dentro da sua alma. Hoje, nesse dia de renovação, tive a minha revelação: Eu precisava de Deus. Eu precisava entender que a felicidade não precisa de meios de propagação, chega a você, quando você doa para o mundo a sua parte. É o simples, retórico, mas em concretude esquecido amor ao próximo, que colocamos de lado toda vez em que o querer que algo melhore se perde atrás do notar que as dificuldades são formas de amadurecer o espírito e que há sempre alguém precisando de você equilibrada para que possa estender-lhe a mão. Sejamos mais.
sexta-feira, 6 de abril de 2012
A Balada (reflexões de um ser mud(t)ado)
... E aí você aprende que ser elegante e cuidar dos detalhes é muito mais sexy que mostrar deliberadamente seu corpo. Aliás, você entende que mostrar muito não é necessário para conseguir nada. Aliás (em riso gostoso de melhor constatação), você começa a não QUERER nada. E entre olhares de quadros (que você antes não notara) e lembranças mentais de histórias (que você outrora não vivenciara), você atine haver nos outros parcela significativa da pessoa que você era. Observa com vagar o tipo de gente que elas atraem e, em comparação humana imediata, recorda dos homens que atraía e de algumas insensatezes de jovens tropicais. É a hora em que a necessidade do tempo para a identidade se faz epifania, que agora lhe é recorrente. Conclui, em graça de suspiros, que a insegurança lhe parecia indissociada da similitude e agora lhe é tão simples no seu ser como tal, ainda que e graças a Deus diferente. Você consegue fazer uma fotografia mental do exato instante em que do seu rosto saiu um borrão do escuro e entrou sua própria cara. Você reafirma assim a noção número 1: a proposta mais permanente dos afeitos à sensualidade sofisticada é diferente do agir impulsivo e desesperado comum aos adeptos da vulgaridade do escancarado. Aí você volta feliz para casa, muito mais consciente da sua felicidade do que antes...
domingo, 1 de abril de 2012
O Não Amar
É da boca pra fora. É a vontade de poder fazer as palavras serem a verdade da alma. Infelizmente, não é. Eu não amo você, nem poderia. Parece não haver contexto e o amor, quando de fato vem, simplesmente se encaixa sem mensuração racional de possibilidades. Aceita-se cada tropeço, sem doer as articulações. A trilha é plana, ainda que não. É um que anda em romaria de gratidão, carregando-se mutuamente em comunhão. Diante do binômio inexato, não correspondente, que é esse nós dois cada empecilho me vem à vista, trazendo hesitação ao seguir. Dá-me cãibras no só olhar o caminho que haveríamos de seguir. É montanha antevista. São dois a correr em suplício de dor, aguentando-se em revezamento por sacrilégio. Essa vontade desesperada de amar mais uma vez que me impulsiona a dizer essas palavras sem sentido, sem força de espírito... Como eu queria amar você, mas não amo
Oração Diferente
Às vezes, é somente preciso se perder para se achar. Há momentos em que a inércia toma conta da vida e passa à margem da noção e da intuição do ser vivente, ainda que o mundo aqui fora se lamente, e Deus dê seus toques em breves, mas constantes ocorrências. Todos verão menos o sujeito que dela se faz maior uso. Para ele, tudo serão meras coincidências ou, no máximo, risco a dar mais graça e instigação aos relatos de suas loucuras. Poderão haver dois no poço: o que entendeu ali e o que sequer naquele lugar foi capaz de compreender. A vontade é tal qual a evolução, de modo que uma epifania contada é, ao receptor, apenas denotação, sem significação conotativa. Morre em um conto de bar ouvido até com surpresa, mas sem experimentação evolutiva. Deus fechou as portas na marra dos locais em que não devo entrar, ao menos até que eu retome meu eu e possa viver sem que a inércia me condicione. Até que possa eu entrar, captar e sair, antes do show acabar. Perdi, por um tempo, a capacidade de escolha refletida, os freios que poupam o degradar da minha alma. Tudo pareceu diversão até que o presente da vida se viu ameaçado pela perda da minha identidade, nisso tudo. Não acho que se tenham cortado os prazeres mundanos eternamente de mim, posto que são eles necessários às minhas elucubrações e conquistas de espírito, nesse plano, com essa carcaça de que agora me faço uso. Acho, contudo, que da forma como os vivi não acharia nada a me enriquecer a vivência, pois fechados estavam meus poros à racionalidade, à minha fé. Nenhuma maturidade espiritual angariaria vivendo-os na loucura, com a identidade blasé do coma. Sou o terceiro que não chegou ao ambiente inóspito e escuro. Não quero exatamente hoje algumas coisas, porque sei que desaprendi como devem ser vividas: com a parcimônia de um ser equilibrado, que sabe o que compreender os porquês e as necessidades de seu enfrentamento. Nada me virá por osmose. Obrigada.
terça-feira, 27 de março de 2012
Ouvir Sinos
Enfim sos. Ele pegou na minha mao, olhou fundo na minha alma e suspirou uma constatacao contida em recatos e razao. Não era ora de dizer pois isso estragaria a sintonia de ambos a intuirem. Aquela frase gemida estava lapidada como momento nosso. Momento em que simplesmente soubemos. Mentalizei gratidao a Deus e vivi aquele amor que não precisava de expressao
sábado, 24 de março de 2012
quinta-feira, 22 de março de 2012
quarta-feira, 21 de março de 2012
Contraprestação
Há dias que não paro para pensar na vida. A vida se encarrega de pensar em mim. Dá-me cada dia um leão. Não por pedido. Odeio a sintaxe. Bom, de toda forma, eu mato todos. Mas, de forma tola, pergunto à vida: quando terei uma presa idiota?
sábado, 25 de fevereiro de 2012
CISNE
Amoldo-me, Rebaixo-me, Ajeito-me nesse espaço. Eu me calo, se me há embaraço. Sou cisne, mas de pássaro...
Eu sou pura. Eu não vôo.
ESPELHO
Me mato, me ressuscito, com um tapa é que revivo. Eu te mato, se te for preciso. Sou cisne, mais um pássaro...
Eu sou dura. Eu não volto.
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
A Sequência Lógica
É preciso morrer para renascer. Essa obviedade é, em muito, esquecida, ao longo dessa vida. Queremos pular as etapas dessa sequência lógica do luto, da abnegação. Toda vez que estamos descrentes, precisamos cavar um buraco para dentro da terra. Cada um tem um tanto a descer, até que sinta falta de respirar ar puro novamente e sentir necessidade de voltar aqui para fora. Toda ruptura, gera a necessidade de encontramos conosco, para depois poder reviver para o mundo.
domingo, 12 de fevereiro de 2012
Ter consigo
Há dias que não são para ser. Mantenha-se em casa. Programe seu filme e viva você. Eu desrespeitei essa regra máxima. Tudo aconteceu em contramão do branco, do dia, da tranquilidade. Foi-se garoa, chuva e enfim a tempestade. O trem das onze passou às 11:05. Só nesse dia. Perdi a estrada e um pouco do bom de mim, naqueles blasfemares e insultos ao nada. Irretratável perda. És outra em cada minuto que avança e trouxe à nova um apanhado de carcaça suja. Me deparei comigo e fugia do ter de encarar-me. Sozinha, deixaria a cabeça vaga para pensar em coisas a serem sanadas. Era preciso tomar decisões difíceis. Não seria o momento, contudo. Estava contaminada desse ar fúnebre da morte alheia que desejava. Insisti na saída que era um aborto provocado. Ter com elas parecia bom. Algo não deixava. Decidi esquecer o mundo lá fora, porque ele não me queria hoje, sendo parte sociável dele. O mundo era meu. Ocupei minha cabeça com o nascer da vida. Gramíneas esfumaçantes. E isso me fez mais. Eu ali. Desprotegida em frente de mim. Olá. Como está? Abatida. Com olheiras. Todos esses seus devaneios aparecem na sua cara esbranquiçada. É o seu desprezar de vida boa, de vida certa. Você não dorme, você não come, você divaga em seu ser vazio. Não é contraditório? No que tanto pensa? Pensa nesse real aqui dentro, se acha aqui no meio disso tudo, por favor... Da janela para fora, onde não mora o real de você, já tem gente demais para pensar.
sábado, 4 de fevereiro de 2012
Contradizendo
Por que vocês vêem o meu jeito de amar e viver sob os jargões de psicologia? Há de existir um problema, um trauma ou uma ferida para uma mulher não querer partilhar sua cama com o mesmo homem por toda sua vida? Seria ela necessariamente promíscua ou desiludida? Aplicar-se-ia à ela, de fato, (e não por costume de dizer), o famoso "isso é porque você não achou a pessoa certa ainda"? Esse quase ditado já tem, a meu ver, premissas erradas. Se somos seres cotidianamente modificáveis, haverá uma única pessoa capaz de nos fazer feliz? Preciso crachar uma relação com algum nome para ter permissão de amar? Eu amo. É plenamente óbvia a constatação de que podemos ter diversos amigos, cada um deles nos proporcionando felicidade no seu bocado, da sua forma, no seu momento. Ainda que a todos eles se ame, certos dias se está mais para um, certos dias, mais para o outro, e não necessariamente se há de excluir ninguém do grêmio. Não abdicaria de qualquer dos meus amigos e das múltiplas formas de alegria que me proporcionam em sua conjunção por apenas um deles. Agora pergunto eu: por que um só amor? Em uma palavra peço que me diga para que apertar o gatilho da multiplicidade do seu eu, da variedade do seu gostar? Família é a única resposta plausível. Porque se pode amar, sem casar. Porque se pode fazer amor, sem casar. Fomos educados a ver no casamento um momento natural da vida, como comer ou dormir. E não o questionamos por muito tempo, mas sabemos que há dias sem sono e dias sem fome. Pelo tempo em que pretensamente essa tal monogamia consagrada em cruz e em pena deu certo, permaneciam as mulheres quietas, as roupas lavadas e a empregada de casa comida. Não acho que um casamento não possa ser bem sucedido, mas me nego a afirmar que o sucesso de um casamento garanta a forma mais plena de felicidade. Creio ainda que ele é um placebo para a solidão. As pessoas têm medo de morrer sozinhas, porque não foram acostumadas a ver em si o bastante. Apegam-se a relacionamentos sem sentido, para poder dizer, para poderem sentir-se seguras e amparadas. Amar alguém se basta em si. Ao menos deveria. Ninguém precisa se postar na frente de duzentas pessoas e mais um padre - que sequer sabe sobre os prazeres e desprazeres daquilo que abençoa - para garantir um amor eterno. Não nasci para eternizar nada que é mutável. E se isto fosse possível: achar em outrem o amplo espectro de possibilidades que me saciaria o ser (fosse esse oposto tão e no mesmo quantum passível de renovação contínua), amaria por mim e mais ninguém. Egoísta seria, ao fim, igualmente, então. Melhor por si do que por só, não?
Além
Bebidas e rosas, uns dedos de prosa, ao som de Buarque. Fazemos do amor um ritual. O momento é aqui e agora. Se o mundo cai lá fora, já não me interessa. Um novo mundo para mim aqui começa. Eu sinto sua alma recostar sobre a minha. Tudo vira cheiro, toque, olhar. Estamos entregues. As peles em unção da carne do encostar transcendente. A sua mão acaricia meu ego. Bailamos em sintonia, enquanto o vento frio adentra a janela. Arrepiam-se os corpos. Saem os espíritos da carcaça ainda quente no vagar do sono. Encontramo-nos novamente. Amor além.
Meira
Pensando, pensando, pensando. A cabeça é mesmo um mundo gigante. Não importa se aqui fora existem as possibilidades desse sonho. Eu planejo, reinvento minha vida em um segundo. E renovada saio dos meus pensamentos. Estava parada em mim, inerte em tanta coisa e uma sinapse cerebral faz palpável o improvável. E se tudo for diferente? Eu posso. Levanto, renovada. Sorrio e fecho a porta de casa. Sou outra.
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012
Seja bem vindo
Não sou famosa. Não tive a idéia do século. Não sou rica ou ascendente nem uma dessas belezas raras. Por que ler esse texto? Não sei. Talvez porque eu seja igual a você. Sinto as minhas idéias e percepções escorregarem na mesma vala em que escorreram as divagações dos idiotas. Na mesma sarjeta onde se debatem os éticos, artistas e ébrios - que, no fundo, são faces dessa mesma face estapeada - socorro meu ego para que ele não sucumba. Estou quase sem forças para salvaguarda desse suicida inveterado. Depois de alguns anos de estudo (pobres dos gênios e ilustrados) e vivência vivenciada (sem pleonasmo e com o rigor do particípio), tudo que eu mais gostaria é ser completamente ignorante de alma. Talvez eu me fizesse entender. Fato é que não me emendo e continuo me metendo onde não devo. Agora pergunto: será que é de todo injusta a eutanásia desse corpo ligado à vida pelo idealismo? Sempre acreditei que a firmeza de caráter me garantiria a afirmação de todas as frases desse introito. Cá com elas começo na negativa não é por acaso. Nada é pensado com o fim de mostrar a você que a moral da história é o correto. O mundo lá fora não é o mesmo desse aí de sua casa, onde o desculpar-se conserta os erros. Aqui, cada um deles é meticulosamente jogado na sua cara e o saldo final é seu rosto de Adeus. As feições caídas e estripadas emolduram-se em Picasso, diante do sopetão da descoberta. A cena faz jus à imbecilidade de sua criação mentirosa. Essa sim imoral. Junto com aqueles pensamentos tão nobres, que hoje descem pelo ralo abaixo na mesma descarga da merda, você passa a não mais reagir. Deixa-los ir. Você passa a saber que esse mundo lá fora apenas acontece, com suas regras soltas. E nas probabilidades imoralmente exatas, em que coroa pode dar cem vezes sem nenhuma cara, de nada adianta se sua moeda não é viciada. Não importam as leis que cominam a ilegalidade do homicídio nem quantas vezes você já foi assaltado. Haverá degolas, latrocínios e outras barbáries das quais o mocinho poderá ver-se vítima, sem chance de novo take. O mundo é injusto e cruel. Real, contudo. Não lhe parece melhor? Então viverá a mentira da correspondência inatingível, mijando nas calças toda vez que pisa pra fora de casa? A verdade nem sempre é digesta, mas hoje prefiro engolir o meu catarro a comer o escargot de banquete do Mágico de Oz. Seja bem vindo.
sábado, 28 de janeiro de 2012
Passado
É tempo de morango... E de outras carambolas. É tempo de uns tangos e de discos na vitrola. Foi-se o tempo em que não havia tempo para se viver o passado. Foi-se o tempo em que o ontem devia ser reformulado. O particípio vivido nunca foi tão atual. Não mais ameaça o antigo o vigor dessas conquistas... Percebeu-se serem as mesmas apenas embaladas em pano metal choque. Continua sendo tempo de rock e os Doors cantam enlouquecidos. Continuo regando os meus amigos com aquele velho scotch. Fotos pretas e brancas captam mais a realidade dos sentimentos... A arte de todo o nosso movimento ainda é de Chaplin. É tempo de morangos porque coca cola corrói o estômago.
domingo, 22 de janeiro de 2012
Diga DE VERDADE não ao preconceito
Hoje percebi que a nova geração vem renovada.
Nasce a geração que conhece a luta e defende a causa dos homossexuais, sem precisar ser homossexual. Nasce a geração menos hipócrita que aquela que aceitava o gay por vê-lo como diferente. Nasce a geração diversa daquela que respeita o amigo, mas, no fundo, espera que um dia ele se cure. Nasce a geração tão diferente daquela que aceitava o próximo (desde que ele não fosse tão próximo), mas que na roda dos amigos (que taxava “normais”) sussurrava ser uma rusga na criação daquele nem tão seu amigo coitado.
O irmão de 15 anos de uma amiga de infância, a qual se declarou gay, elogiou a postagem do seguinte slogan:
Não, ele não é gay. Se seu pensamento seguinte foi: “então ainda vai ser” pare de ler. Este texto não é para você. Você vai ser, nos livros de história do nosso futuro, aquela exata parcela da população extremamente conservadora e pouco ilustrada, que ainda demora a ceder à teoria de que não é a Terra que gira em torno do Sol. O Lucas simplesmente sabe e luta com sua irmã pela batalha da qual ela e agora ele fazem parte, independentemente do que ele hoje se entende ser.
Foi a batalha de sangue escorrido e lágrimas engolidas que os negros enfrentaram e que hoje o mundo na ética abraça. Foi a bandeira erguida pelas mulheres que conseguiram hoje guarida da lei. É a conquista que sempre terá um ranço social indelével, do politicamente incorreto. Essa reminiscência de preconceito - infelizmente, nítida há poucos - que engatilha a luta de classes em prol do que, dali a anos, será o óbvio.A essência que alguns conseguem apreender é a luta que passa a ser igualmente pertencente a você, ainda que não necessariamente seja sua. Esse avanço se dá no exato momento em que se nota que o comum é ser (verbo) humano. Aí se torna mais que socialmente despropositado e moralmente condenável não se rebelar contra aquilo. Sob pena de se renegar a dignidade humana é que passa a se defender a defesa daquela causa.
Também parem de ler este texto aqueles que crêem superadas as manifestações de preconceitos contra negros e mulheres. O fato de existir razão (já parou para pensar nisso?) para se rir de piadas de mulher na cozinha (por que simplesmente não haveria graça se o personagem fosse homem?) e a referência mental à Amélia como boa esposa não são amenidades, em sua semântica contextualizada. Passamos nesse debate pela calorosa discussão acerca das mulheres que são ainda chamadas putas por fazerem exatamente o que um homem faz. Ou os atos de ambos são promíscuos ou não serão e nem questiono se isso pode ser intitulado promiscuidade. O fato por trás disso é que tal reflexão deve ter de si desprovidas considerações sobre o sujeito. O agir será ou não promíscuo, em sua singularidade, independente dos genitais de quem os realiza.
O mesmo se dá contra os negros. Sofrem eles preconceito ainda. Possivelmente, proclamar-se-á o Brasil como o país da igualdade, refutando-se o cabimento dessa afirmação. Se você acha que não há mais preconceito, peço pensar em três situações. Eu pude, por coincidência de sexo e profissão, viver essas exatas mais comuns três formas de preconceito social contra os negros, que sei você não conseguirá contestar. Negro é “aceito”, mas (i) não pode “entrar para a família”; (ii) não é tão visto em determinados empregos; (iii) são a maioria dos indivíduos interpelados pela polícia, como suspeitos.
Na minha família vi esse primeiro embate. A despeito de educada por pessoas já mais ilustradas espiritual e culturalmente, o preconceito imbricado no amor ao genealógico do clã italiano ariano deixava suas marcas. O embate entre o correto e o outrora correto era rico, em sociologia. Eu podia ter colegas e amigos negros e era errado destratá-los, porque simplesmente eles não eram diferentes. Cresci assim, ouvi isso dentro de casa e na escola. Mas quando me envolvi sexual e amorosamente com um negro, o papo foi outro. E aí eu não sabia mais nada. E a contradição interna dessa antagônica correspondência de corretos colocada diante de seus olhos causou-lhes embaraço (não foi propositada, mas certamente nada se fez de despropositada a aliteração). E eles não sabiam se justificar, porque a justificação passava pelo exato momento em que se tornava ela imoral. Na minha profissão vi esse segundo embate. Entre um negro e um branco, prefere-se na contratação um candidato à advogado branco. Falem o que quiser. Sei que no fundo vão engolir quietamente (por medo de parecer racista, que se lembram hoje ser crime) a constatação da verdade Outrossim, em pesquisas renomadas, em termos matemáticos e amostrais (procurem e achem a rodo; omito a fonte não por inexistência ou medo de contradição, mas por mera falta de lembrança dos registros) os negros aparecem como os indivíduos mais parados pela polícia. Não tenho dúvidas que o leitor intua isso, primeiramente com enorme normalidade, e, se atento, posteriormente, questionando-se se o seu pensamento pode denotar o permanecer entre nós do preconceito... Ainda que você desconfie do meu conhecimento sobre o último assunto, em razão da omissão da fonte, não pode negar que: se não é experimentalmente assim, o seu pensamento denunciou uma realidade. Não é sinal do preconceito você poder saber ser isso a verdade?
Na minha família vi esse primeiro embate. A despeito de educada por pessoas já mais ilustradas espiritual e culturalmente, o preconceito imbricado no amor ao genealógico do clã italiano ariano deixava suas marcas. O embate entre o correto e o outrora correto era rico, em sociologia. Eu podia ter colegas e amigos negros e era errado destratá-los, porque simplesmente eles não eram diferentes. Cresci assim, ouvi isso dentro de casa e na escola. Mas quando me envolvi sexual e amorosamente com um negro, o papo foi outro. E aí eu não sabia mais nada. E a contradição interna dessa antagônica correspondência de corretos colocada diante de seus olhos causou-lhes embaraço (não foi propositada, mas certamente nada se fez de despropositada a aliteração). E eles não sabiam se justificar, porque a justificação passava pelo exato momento em que se tornava ela imoral. Na minha profissão vi esse segundo embate. Entre um negro e um branco, prefere-se na contratação um candidato à advogado branco. Falem o que quiser. Sei que no fundo vão engolir quietamente (por medo de parecer racista, que se lembram hoje ser crime) a constatação da verdade Outrossim, em pesquisas renomadas, em termos matemáticos e amostrais (procurem e achem a rodo; omito a fonte não por inexistência ou medo de contradição, mas por mera falta de lembrança dos registros) os negros aparecem como os indivíduos mais parados pela polícia. Não tenho dúvidas que o leitor intua isso, primeiramente com enorme normalidade, e, se atento, posteriormente, questionando-se se o seu pensamento pode denotar o permanecer entre nós do preconceito... Ainda que você desconfie do meu conhecimento sobre o último assunto, em razão da omissão da fonte, não pode negar que: se não é experimentalmente assim, o seu pensamento denunciou uma realidade. Não é sinal do preconceito você poder saber ser isso a verdade?
E por que discorrer sobre o preconceito a negros e mulheres aponta uma nova fase? Porque nessas lutas estavam os negros de um lado e os brancos do outro até que as cores se uniram, porque eram todos iguais em seu ser. Os homens dali e as mulheres de lá ergueram a mesma bandeira, porque eram gêneros da mesma espécie humana. E assim caminham as conquistas. E é nesse ponto que os gays chegaram agora, depois de tanta luta, após inúmeras mortes. Achei que minha geração não teria o seu marco... Mas vejo nitidamente (como se ouvisse meu professor de histórias nos apresentar alguns textos mais vanguardistas daquele passado) o momento em que essas fichas estão caindo e que é possível dizer tudo isso sendo inteligível.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
Lápide de um Anjo
Eu sinceramente não o conheci muito, antes da morte. Foi a partir desse evento que costuma botar fim na possibilidade de uma história que ele passou a viver para mim. Daí porque essa locução de tempo não é um pleonasmo; na verdade é uma ressalva imprescindível.
Soube do trágico fim por um telefonema de minha amiga. A mesma que nos apresentou no único momento em que nos vimos. Na verdade, nem consigo me lembrar direito se fui eu quem ligou para ela para dar aquela notícia, pois, parecia que... Eu sabia daquilo exatamente, quando o conheci.
Com o ar passado de forma indigesta e lenta pela garganta atendi: O Rafa! Sabe o Rafa? Aquele que nos hospedou no carnaval... Apesar de eu não precisar de mais nada, obviamente que, para ela, era preciso - ainda que não desejado - prosseguir com a predicação que daria sentido àquela frase e que não daria sentido algum àquela frase. A morte dele era um evento totalmente inesperado.
O fato de eu e ele termos nos conhecido de forma breve fazia necessário que ela me contasse o fato paradoxalmente somente após esclarecer quem era a vítima do infortúnio. Sequer podia saber ou talvez acreditar que aquilo não era de todo novo para mim. Eram poucos os meus momentos com ele, mas houvera momentos. Muito provavelmente por isso entendeu que o nome dele precisava de um aposto para que eu me lembrasse detalhadamente. Entendeu que referência ao Rafa, portanto, não se bastaria em si. A informação que batia na porta dela era, em princípio, imprevisível ou não intuitiva. Enfim, seria do nosso mútuo (des)interesse aquele evento, pois. Era preciso, infelizmente, complementar aquele tão adjetivado sujeito agora oculto com um verbo, que naquela situação, era permanentemente intransitivo: Ele morreu, Dri. Ele morreu, cara!
O que pensara da morte? Tinha ele medo de partir? Doeu? Quem era ele? Quem era ele... Entrei na página que mantinha em uma rede social, para tentar conhecê-lo exatamente 24 horas depois de sua morte. Na mesma página onde por algumas vezes nos comunicamos brevemente. Poucas vezes mesmo, em frases sem qualquer intenção ou contexto. Vou morar em São Paulo. Como assim? É, estou feliz. Nossa, mas me explica melhor. Você ainda está aí? ... Oi! E aí? Você não me contou da última vez essa história, me explica! ... Saía, sem explicação, como saía da vida...
Como todas os outros contáveis momentos em que trocamos palavras, só me vinha sorriso e felicidade daquela presença tão forte, mas tímida de toda a sua imponência. Parecia que ele tinha um certo acanhamento da exata medida de seu conhecimento, que se fazia propositadamente escondido por detrás da sua contraditoriamente nada forçada ingenuidade. Os anjos são assim, não são? Como podia?
Não chegamos a trocar mais de 500 palavras, mas me lembro de mais de 500 risos, que ele provocou no meu rosto. Ele poderia ser um anjo. Não por outra razão que seu perfil era abarrotado de amigos, sensíveis o suficiente para perceber isso. Ele era realmente um pessoa querida. Todos faziam questão de lhe deixar recados, fotos, mensagens fáticas. Era preciso mantê-lo por perto, garantir suas palavras, naquele mundo cercado de tantas outras pessoas que igualmente ansiavam por elas. Quem era ele? Chorei diante das mensagens de paz, inconformismo e carinho. Querendo colocar mais lágrimas naquela dor quis ver sua última postagem, que fora não muito antes do fatídico acidente. Ele sabia que ía morrer?
Muitos não acreditavam que, de ontem para hoje aquele cara, que todos pensavam estaria lá amanhã para mais um dia de risada, foi vencido pelas feridas. Outros tantos se perguntavam como não puderam perceber que um cara daquele nascera para morrer exatamente daquele jeito. Ao menos era esta a pergunta que eu me fazia: Por que não fiz algo? Eu, não sei como... Para mim simplesmente fazia um sentido tremendo aquele ser humano partir assim no meio da estrada da vida. Era a nossa metade do caminho, mas, certamente, não a dele. Para aquele ser, ali era o fim da linha. E não por outro motivo, foi essa mesma estrada que escolheu botar fim àquela que seria a última de suas encarnações.
Chorei mais por não ter tido a chance de conhecê-lo. Comecei a angariar evidências de quem ele era, percebendo que aquela chance não estava de todo finda com sua morte. Forcei o nosso encontro pos mortem com um pouco de medo, confesso. Tive receio de construir um personagem, ou pior, de aquilo representar muitas coisas do meu ide, a necessidade de ter esperança nas coisas boas da humanidade. Sem contrapeso, refutação, ou espaço amostral para o erro, poderia fazê-lo um ser perfeito, que ele muito provavelmente não era. De fato, havia uma grande probabilidade de eu elaborar um ser metafísico só para satisfazer minhas necessidades pessoais e tornar a minha vida aqui mais fácil... Eu poderia fazer muitas coisas com aquela última imagem dele, mas, de todo modo, não podia negar que as circunstâncias que o ligaram a mim faziam daquele âmbito - ainda que incompleto - a sua inteireza.
Era fato que aquele lado de paz foi o que veio a mim, destacado do todo humano cheio de imperfeições que o compunha, como a todos nós. Eu podia ter conhecido mil facetas dele, ou ao menos, algumas ruins. Podia tê-lo visto bravo, triste, mal humorado, coisas que, qualquer ser humano, por mais iluminado que seja, enfrenta nesse mundo de perdições e percalços, em algum momento do seu dia. Não vi nada disso não porque ele não tinha, mas porque era aquilo que a mim tinha de chegar. Eu não podia, igualmente, ignorar esse fato. Venci o meu ceticismo, para entender o real significado daquela vivência. Todos temos problemas e sem dúvida ele tinha suas fraquezas, mas eu não as conheci por algum motivo. De outro modo, para mim, aquele seu elemento era angelical. Talvez para mim, de fato, ele só nasceria em sua partida. Talvez só para mim, ele fosse um anjo.
Não acredito em coincidências. Todo o resto da história, de fato, fez um enorme sentido, quando pensei na morte como ponto de partida. Olhei a história do fim para o começo e ficou claro porque, naquele passado sem noção de futuro, eu tive o feeling e não o conhecimento. Vê-lo não tinha nada que ver com meus planos. Para ser sincera, aquela viagem não se explicava em nada. Fomos sem motivação ou arranjos prévios. Tudo em cima da hora, depois de outras tantas possibilidades se esvaírem. Eram, na verdade, os acertos divinos se compondo. O famoso escrever certo por linhas tortas, que todos dizem ao ler a mensagem, não sem antes muito reclamar da datilografia.
Nunca me imaginei nesse lugar. Nem conhecia o nome daquela pequeníssima, mas charmosa cidade mineira. Fui com pessoas que, igualmente, nada tinham a ver comigo. A única pessoa que podia salvar aquele conto de carnaval era minha fiel escudeira, que eu convidara nos 44 do segundo tempo. Sabia que ela não daria pra trás. Não daria mesmo. Ela estava de conluio com o escritor de letra feia.
Fomos no meu velho Fiesta 98, que, algumas vezes ferveu no caminho. Dirigi preocupada na minha verdadeira primeira vez na longa estrada. Na minha casa, rodovias eram por si só mau presságio. Talvez porque abrissem a porta de casa para o vasto mundo lá fora. De todo modo, fui educada a crer que não as devia percorrer. Conclusão: internalizei o medo de dirigir de São Paulo afora, mantendo-me na imbecilidade de dirigir loucamente dentro das linhas limítrofes dessa caótica cidade. Fato é que aquela viagem soou como uma certa rebeldia e tudo girou em torno do carro, do medo de guiar no escuro, da sensação de que podíamos nos sujeitar a um acidente. Foi exatamente por isso que resolvemos ir para a casa dele.
Transitar naquela estradinha escura nos deixou apavoradas. Ainda mais considerando ser carnaval. Tínhamos duas opções: ou nos divertimos sem responsabilidade ou tínhamos responsabilidade e não nos divertimos. Em outros termos, ou bebíamos e pegávamos a estrada ou não bebíamos e nosso carnaval talvez não fosse tão bom como esperávamos. Não somos idiotas nem éramos imaturas, escolhemos a segunda opção e a casa dele entrou exatamente nesse contexto. Dormiríamos lá e teríamos um carnaval um pouco mais feliz. Incrivelmente mais feliz.
Depois da festa, tocamos para a casa dele, não sem antes tomar um caldinho de feijão e angariar histórias engraçadas na casa de um certo amigo e sua fascinação por pés. Piadas internas para toda essa vida. Chegamos finalmente na casa do Rafa e no exato momento em que desliguei a ignição, já na garagem, o pneu arreou. Foi um ere muito do bem colocou um prego naquela borracha. Ali começava.
Depois de um sono revigorante, acordamos com a receptividade típica dos mineiros somada ao aconchego já possível de antever. A minha amiga era realmente uma pessoa especial e nada e, menos ainda, ninguém que viesse dos laços fortes da sua família poderia soar para mim como cilada. O cuidado com que se tratavam mutuamente confirmava a minha intuição. A atenção a ela dispensada foi estendida a mim, sem cerimônia nenhuma. Em pouco tempo me senti em casa, sem ser folgada, sem parecer demasiadamente rápido.
Conversamos, fizemos um churrasco, brincamos com o cachorro e aquele simples momento entrou no meu universo de "as melhores coisas que vivi nessa vida". De longe, sentada meio distante, olhei ao redor e renasceu em mim a esperança em ter uma família. Tive, naquele momento, vontade de ter nascido no interior, de não conhecer as malícias da cidade grande, de achar errado fazer o que se quer, como se quer. Senti um pouco de falta de um pulso firme, de um clã tradicional, com medo da fofoca citadina, com um afã de preservar a moral e os bons costumes. Era bonito tudo aquilo. Quem sabe um dia eu faria parte daquela filosofia interiorana? Senti-me no começo de um livro do Eça e fui interpelada pela realidade no meio daquilo tudo. Ri pela distração e me coloquei no meu contexto novamente. Era hora de arrumar o pneu do carro.Iríamos dirigir na noite vindoura para São Paulo e voltar àquilo que abominei por segundos.
Mais do que cordiais, subiram todos os homens, enquanto as mulheres arrumavam as coisas. Entendi a divisão de tarefas sem bandeiras do feminismo. Fazia sentido. Imagina que me deixaram encostar no carro. Não era hostilidade, machismo ou patriarcalismo; era gentileza. Às vezes vemos coisas de mais. Será que a ilustração é de todo boa? Parecia bem menos complexo do que ecoam os discursos de gênero.
Fizeram-me apenas tomar a decisão final por respeito e uma certa preocupação em não querer soarem enxeridos. Colocaram o step no lugar do pneu, alertando-me que aquilo estava longe da situação ideal. Aquele pneu substituto nada tinha de garantia de um bom retorno. Era - aprendi eu o termo ali - uma pneu já recauchutada. Ainda que não impusessem a solução, seus olhos alarmados davam a entender o que era certo a se fazer. Olharam-me com cara de que eu não podia retornar assim. Não tem como não ceder às certezas dos mais experientes, ainda que para evitar a fadiga (eles repetem enfaticamente que sabiam sua escolha daria errado). Fomos loucas atrás de um novo pneu. Não achamos, mas silenciamos. O Rafa sabia, contudo, e foi justamente por conta disso, que ele decidiu retornar com a gente, embora sua novo vida em São Paulo já o fizesse fingir ser por seu próprio interesse em chegar à rodoviária.
Eu tive medo de morrer, naquela estrada. Pensei diversas vezes que eu bateria o carro. Prestei atenção no caminho mais do que nunca, com o coração um pouco apertado. Era tarde da noite, o pneu estava ruim, estávamos com sono e eu não podia andar muito devagar, afinal estávamos em uma rodovia. Parei no local onde o Rafa desceria e saiu ele muito agradecido. Ao saltar do carro, parecia que um brilho se afastava. Ao vê-lo partindo rumo ao trem sem volta tive plena certeza de que não o veria mais. Engoli seco, sem nada falar à minha amiga, que, todavia, percebera algo no ar. Respondi que eu não tinha nada e que só estava pensando como aquele cara era iluminado. Satisfeita e sem precisar de explicações, diante daquela irrefutável frase, ela sorriu concordando, com orgulho de carregar na vida pessoas como essa.
Foi naquela estrada que ele entrou na minha vida e naquela estrada que ele saiu da vida de tanta gente. Com a notícia da colisão de seu carro, a cena não me saia da cabeça. Via sangue no chão. O Rosto do Rafa, contudo, para mim permanecia limpo, sem um sinal de dor. Não dormi impressionada com meu pensamento, particularmente pelas razões que justificavam aquilo ter tomado um peso tão grande para mim.
Eu não o conhecia tanto. Eu não sabia nada sobre ele, suas dúvidas, seus anseios, seus planos. Tudo que me perguntava era quem era aquele cara, por que eu o conhecera? A viagem inteira girou em torno da questão do carro, do medo daquela estrada, da escuridão daquelas vias e justamente lá ele morre? Meu Deus, era assustador!
De tempos em tempos, visito sua página na internet, com uma admiração tamanha por tudo aquilo que eu vivi. Era tão simples e tão complexo. Lá, escrevo sempre alguma coisa como se ele pudesse ler. Outros tantos o fazem provavelmente com a mesma esperança. É muito carinho a contagiar aquelas letras que diariamente são inscritas naquela lápide, como se a história dele nunca acabasse, como se a cada dia uma de suas ações gerasse um novo milagre. Depois de quase 1 ano, eu pude compreender... Quem era ele?
Loiro, olhos azuis. O nome? Rafael. Era o meu anjo Rafael.
EM MEMÓRIA DE RAFAEL DE FARIA COSTA
Soube do trágico fim por um telefonema de minha amiga. A mesma que nos apresentou no único momento em que nos vimos. Na verdade, nem consigo me lembrar direito se fui eu quem ligou para ela para dar aquela notícia, pois, parecia que... Eu sabia daquilo exatamente, quando o conheci.
Com o ar passado de forma indigesta e lenta pela garganta atendi: O Rafa! Sabe o Rafa? Aquele que nos hospedou no carnaval... Apesar de eu não precisar de mais nada, obviamente que, para ela, era preciso - ainda que não desejado - prosseguir com a predicação que daria sentido àquela frase e que não daria sentido algum àquela frase. A morte dele era um evento totalmente inesperado.
O fato de eu e ele termos nos conhecido de forma breve fazia necessário que ela me contasse o fato paradoxalmente somente após esclarecer quem era a vítima do infortúnio. Sequer podia saber ou talvez acreditar que aquilo não era de todo novo para mim. Eram poucos os meus momentos com ele, mas houvera momentos. Muito provavelmente por isso entendeu que o nome dele precisava de um aposto para que eu me lembrasse detalhadamente. Entendeu que referência ao Rafa, portanto, não se bastaria em si. A informação que batia na porta dela era, em princípio, imprevisível ou não intuitiva. Enfim, seria do nosso mútuo (des)interesse aquele evento, pois. Era preciso, infelizmente, complementar aquele tão adjetivado sujeito agora oculto com um verbo, que naquela situação, era permanentemente intransitivo: Ele morreu, Dri. Ele morreu, cara!
O que pensara da morte? Tinha ele medo de partir? Doeu? Quem era ele? Quem era ele... Entrei na página que mantinha em uma rede social, para tentar conhecê-lo exatamente 24 horas depois de sua morte. Na mesma página onde por algumas vezes nos comunicamos brevemente. Poucas vezes mesmo, em frases sem qualquer intenção ou contexto. Vou morar em São Paulo. Como assim? É, estou feliz. Nossa, mas me explica melhor. Você ainda está aí? ... Oi! E aí? Você não me contou da última vez essa história, me explica! ... Saía, sem explicação, como saía da vida...
Como todas os outros contáveis momentos em que trocamos palavras, só me vinha sorriso e felicidade daquela presença tão forte, mas tímida de toda a sua imponência. Parecia que ele tinha um certo acanhamento da exata medida de seu conhecimento, que se fazia propositadamente escondido por detrás da sua contraditoriamente nada forçada ingenuidade. Os anjos são assim, não são? Como podia?
Não chegamos a trocar mais de 500 palavras, mas me lembro de mais de 500 risos, que ele provocou no meu rosto. Ele poderia ser um anjo. Não por outra razão que seu perfil era abarrotado de amigos, sensíveis o suficiente para perceber isso. Ele era realmente um pessoa querida. Todos faziam questão de lhe deixar recados, fotos, mensagens fáticas. Era preciso mantê-lo por perto, garantir suas palavras, naquele mundo cercado de tantas outras pessoas que igualmente ansiavam por elas. Quem era ele? Chorei diante das mensagens de paz, inconformismo e carinho. Querendo colocar mais lágrimas naquela dor quis ver sua última postagem, que fora não muito antes do fatídico acidente. Ele sabia que ía morrer?
Muitos não acreditavam que, de ontem para hoje aquele cara, que todos pensavam estaria lá amanhã para mais um dia de risada, foi vencido pelas feridas. Outros tantos se perguntavam como não puderam perceber que um cara daquele nascera para morrer exatamente daquele jeito. Ao menos era esta a pergunta que eu me fazia: Por que não fiz algo? Eu, não sei como... Para mim simplesmente fazia um sentido tremendo aquele ser humano partir assim no meio da estrada da vida. Era a nossa metade do caminho, mas, certamente, não a dele. Para aquele ser, ali era o fim da linha. E não por outro motivo, foi essa mesma estrada que escolheu botar fim àquela que seria a última de suas encarnações.
Chorei mais por não ter tido a chance de conhecê-lo. Comecei a angariar evidências de quem ele era, percebendo que aquela chance não estava de todo finda com sua morte. Forcei o nosso encontro pos mortem com um pouco de medo, confesso. Tive receio de construir um personagem, ou pior, de aquilo representar muitas coisas do meu ide, a necessidade de ter esperança nas coisas boas da humanidade. Sem contrapeso, refutação, ou espaço amostral para o erro, poderia fazê-lo um ser perfeito, que ele muito provavelmente não era. De fato, havia uma grande probabilidade de eu elaborar um ser metafísico só para satisfazer minhas necessidades pessoais e tornar a minha vida aqui mais fácil... Eu poderia fazer muitas coisas com aquela última imagem dele, mas, de todo modo, não podia negar que as circunstâncias que o ligaram a mim faziam daquele âmbito - ainda que incompleto - a sua inteireza.
Era fato que aquele lado de paz foi o que veio a mim, destacado do todo humano cheio de imperfeições que o compunha, como a todos nós. Eu podia ter conhecido mil facetas dele, ou ao menos, algumas ruins. Podia tê-lo visto bravo, triste, mal humorado, coisas que, qualquer ser humano, por mais iluminado que seja, enfrenta nesse mundo de perdições e percalços, em algum momento do seu dia. Não vi nada disso não porque ele não tinha, mas porque era aquilo que a mim tinha de chegar. Eu não podia, igualmente, ignorar esse fato. Venci o meu ceticismo, para entender o real significado daquela vivência. Todos temos problemas e sem dúvida ele tinha suas fraquezas, mas eu não as conheci por algum motivo. De outro modo, para mim, aquele seu elemento era angelical. Talvez para mim, de fato, ele só nasceria em sua partida. Talvez só para mim, ele fosse um anjo.
Não acredito em coincidências. Todo o resto da história, de fato, fez um enorme sentido, quando pensei na morte como ponto de partida. Olhei a história do fim para o começo e ficou claro porque, naquele passado sem noção de futuro, eu tive o feeling e não o conhecimento. Vê-lo não tinha nada que ver com meus planos. Para ser sincera, aquela viagem não se explicava em nada. Fomos sem motivação ou arranjos prévios. Tudo em cima da hora, depois de outras tantas possibilidades se esvaírem. Eram, na verdade, os acertos divinos se compondo. O famoso escrever certo por linhas tortas, que todos dizem ao ler a mensagem, não sem antes muito reclamar da datilografia.
Nunca me imaginei nesse lugar. Nem conhecia o nome daquela pequeníssima, mas charmosa cidade mineira. Fui com pessoas que, igualmente, nada tinham a ver comigo. A única pessoa que podia salvar aquele conto de carnaval era minha fiel escudeira, que eu convidara nos 44 do segundo tempo. Sabia que ela não daria pra trás. Não daria mesmo. Ela estava de conluio com o escritor de letra feia.
Fomos no meu velho Fiesta 98, que, algumas vezes ferveu no caminho. Dirigi preocupada na minha verdadeira primeira vez na longa estrada. Na minha casa, rodovias eram por si só mau presságio. Talvez porque abrissem a porta de casa para o vasto mundo lá fora. De todo modo, fui educada a crer que não as devia percorrer. Conclusão: internalizei o medo de dirigir de São Paulo afora, mantendo-me na imbecilidade de dirigir loucamente dentro das linhas limítrofes dessa caótica cidade. Fato é que aquela viagem soou como uma certa rebeldia e tudo girou em torno do carro, do medo de guiar no escuro, da sensação de que podíamos nos sujeitar a um acidente. Foi exatamente por isso que resolvemos ir para a casa dele.
Transitar naquela estradinha escura nos deixou apavoradas. Ainda mais considerando ser carnaval. Tínhamos duas opções: ou nos divertimos sem responsabilidade ou tínhamos responsabilidade e não nos divertimos. Em outros termos, ou bebíamos e pegávamos a estrada ou não bebíamos e nosso carnaval talvez não fosse tão bom como esperávamos. Não somos idiotas nem éramos imaturas, escolhemos a segunda opção e a casa dele entrou exatamente nesse contexto. Dormiríamos lá e teríamos um carnaval um pouco mais feliz. Incrivelmente mais feliz.
Depois da festa, tocamos para a casa dele, não sem antes tomar um caldinho de feijão e angariar histórias engraçadas na casa de um certo amigo e sua fascinação por pés. Piadas internas para toda essa vida. Chegamos finalmente na casa do Rafa e no exato momento em que desliguei a ignição, já na garagem, o pneu arreou. Foi um ere muito do bem colocou um prego naquela borracha. Ali começava.
Depois de um sono revigorante, acordamos com a receptividade típica dos mineiros somada ao aconchego já possível de antever. A minha amiga era realmente uma pessoa especial e nada e, menos ainda, ninguém que viesse dos laços fortes da sua família poderia soar para mim como cilada. O cuidado com que se tratavam mutuamente confirmava a minha intuição. A atenção a ela dispensada foi estendida a mim, sem cerimônia nenhuma. Em pouco tempo me senti em casa, sem ser folgada, sem parecer demasiadamente rápido.
Conversamos, fizemos um churrasco, brincamos com o cachorro e aquele simples momento entrou no meu universo de "as melhores coisas que vivi nessa vida". De longe, sentada meio distante, olhei ao redor e renasceu em mim a esperança em ter uma família. Tive, naquele momento, vontade de ter nascido no interior, de não conhecer as malícias da cidade grande, de achar errado fazer o que se quer, como se quer. Senti um pouco de falta de um pulso firme, de um clã tradicional, com medo da fofoca citadina, com um afã de preservar a moral e os bons costumes. Era bonito tudo aquilo. Quem sabe um dia eu faria parte daquela filosofia interiorana? Senti-me no começo de um livro do Eça e fui interpelada pela realidade no meio daquilo tudo. Ri pela distração e me coloquei no meu contexto novamente. Era hora de arrumar o pneu do carro.Iríamos dirigir na noite vindoura para São Paulo e voltar àquilo que abominei por segundos.
Mais do que cordiais, subiram todos os homens, enquanto as mulheres arrumavam as coisas. Entendi a divisão de tarefas sem bandeiras do feminismo. Fazia sentido. Imagina que me deixaram encostar no carro. Não era hostilidade, machismo ou patriarcalismo; era gentileza. Às vezes vemos coisas de mais. Será que a ilustração é de todo boa? Parecia bem menos complexo do que ecoam os discursos de gênero.
Fizeram-me apenas tomar a decisão final por respeito e uma certa preocupação em não querer soarem enxeridos. Colocaram o step no lugar do pneu, alertando-me que aquilo estava longe da situação ideal. Aquele pneu substituto nada tinha de garantia de um bom retorno. Era - aprendi eu o termo ali - uma pneu já recauchutada. Ainda que não impusessem a solução, seus olhos alarmados davam a entender o que era certo a se fazer. Olharam-me com cara de que eu não podia retornar assim. Não tem como não ceder às certezas dos mais experientes, ainda que para evitar a fadiga (eles repetem enfaticamente que sabiam sua escolha daria errado). Fomos loucas atrás de um novo pneu. Não achamos, mas silenciamos. O Rafa sabia, contudo, e foi justamente por conta disso, que ele decidiu retornar com a gente, embora sua novo vida em São Paulo já o fizesse fingir ser por seu próprio interesse em chegar à rodoviária.
Eu tive medo de morrer, naquela estrada. Pensei diversas vezes que eu bateria o carro. Prestei atenção no caminho mais do que nunca, com o coração um pouco apertado. Era tarde da noite, o pneu estava ruim, estávamos com sono e eu não podia andar muito devagar, afinal estávamos em uma rodovia. Parei no local onde o Rafa desceria e saiu ele muito agradecido. Ao saltar do carro, parecia que um brilho se afastava. Ao vê-lo partindo rumo ao trem sem volta tive plena certeza de que não o veria mais. Engoli seco, sem nada falar à minha amiga, que, todavia, percebera algo no ar. Respondi que eu não tinha nada e que só estava pensando como aquele cara era iluminado. Satisfeita e sem precisar de explicações, diante daquela irrefutável frase, ela sorriu concordando, com orgulho de carregar na vida pessoas como essa.
Foi naquela estrada que ele entrou na minha vida e naquela estrada que ele saiu da vida de tanta gente. Com a notícia da colisão de seu carro, a cena não me saia da cabeça. Via sangue no chão. O Rosto do Rafa, contudo, para mim permanecia limpo, sem um sinal de dor. Não dormi impressionada com meu pensamento, particularmente pelas razões que justificavam aquilo ter tomado um peso tão grande para mim.
Eu não o conhecia tanto. Eu não sabia nada sobre ele, suas dúvidas, seus anseios, seus planos. Tudo que me perguntava era quem era aquele cara, por que eu o conhecera? A viagem inteira girou em torno da questão do carro, do medo daquela estrada, da escuridão daquelas vias e justamente lá ele morre? Meu Deus, era assustador!
De tempos em tempos, visito sua página na internet, com uma admiração tamanha por tudo aquilo que eu vivi. Era tão simples e tão complexo. Lá, escrevo sempre alguma coisa como se ele pudesse ler. Outros tantos o fazem provavelmente com a mesma esperança. É muito carinho a contagiar aquelas letras que diariamente são inscritas naquela lápide, como se a história dele nunca acabasse, como se a cada dia uma de suas ações gerasse um novo milagre. Depois de quase 1 ano, eu pude compreender... Quem era ele?
Loiro, olhos azuis. O nome? Rafael. Era o meu anjo Rafael.
EM MEMÓRIA DE RAFAEL DE FARIA COSTA
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
Tristeza
Perdoem-me os felizes, mas gosto mais da tristeza.
Desobstrui ela as mazelas da minha existência - tão presentes quanto esse sorriso, mas escondidas no fundo do dente desta boca doente que lhes acena amplificada em falsidade a aparente saúde. Nem os mais belos e brancos pianos escondem, todavia, a falta de sonoridade das suas teclas mais graves. É ainda uma boca enferma! É ainda um canto fúnebre a ecoar daquele belo órgão.
Quando bate o gosto ácido na boca ou o vento frio, que nunca veio (ou demora a vir de novo, como é meu caso), a dor é incessante. E o estranho (para os outros) é que, ao passar do tempo, uma simples brisa causa dor maior que um vendaval. O vendaval não se sente mais... Anestesia. Aí é o fim de tudo, amigo.
É preciso crer que "a felicidade futura tem de ser maior que a passada..." É o que se diz por aí, a despeito desses dizeres se despregarem como palavras soltas, sem sinergia de grupo. Eu, conjugadamente, acho desesperado e patético, mas tenho respeito. Só porque não discordo que não acreditar nisso é a tristeza que não faz bem, porque não permite crescer, não permite viver. Para se conhecer a dor, tem de se conhecer a sanidade. Por isso, para esses que nada têm de esperança, envio uma pena, um papel de carta, um uísque e um revólver municiado. Nessa ordem.
Mas para que viver então? Pára de doer? Não sei, a minha dói, todos os dias quando acordo, quando como, vou ao banheiro e durmo. Se se entende, ou se constata, que uma dada situação irretomável é o auge da felicidade, tudo será tristeza então. Toda "felicidade" será pouca se o parâmetro inicial já é inatingível, por uma impossibilidade fática. Não me venha com afirmações de quem fica sentado na poltrona achando sua vida infeliz. Levante a bunda e vá ser infeliz. De todo modo, a dor saudável é aquela de quem quer que se finde. É a mola da vida. É a razão que vos escrevo...
Vivamos na hipocrisia, para que não cometamos suicídio, ao selar o prometido embrulho.
Assinar:
Comentários (Atom)
